ÂNCORAS de RITA MENDES
Âncoras todas em redor.
Pedaços de rede, algas secas,
Madeira da que serviu para os barcos
Algumas moscas gordas.
Os meus pés no lodo do rio
E ainda o rio
Naquilo que é da saudade
Pelos canais.
Há de ser Outono agora
Que o frio tem âncoras
Que o Verão não tem.
Há de ser Outono que o sono se dorme mais seguido
E a gente precisa das mantas
E a gente precisa da gente
E a gente por precisar tem âncoras
Que o calor que é tremendo,
Não tem.
Quando solar a alma vai bem.
Nua entre as vagas
De culpa quase líquida
E memória em tez queimada.
Sacode os fiapos das redes
Não se avistam madeiras nem moscas.
E, no entanto,
E ainda,
O rio.
Cobre-me
De âncoras
E lodo morno até aos joelhos
E mais para cima.
Trabalha a madeira e pinta-a de uma cor coral
Ao meu tamanho.
Cobre-me.
Para que eu percorra o que vai
Entre margens.
--------------------------------Rita Mendes
Pintura, viktor zhmak