Este livro que te ofereço
Sem entenderes que eu que mereço
Bem o deves de guardar
São relíquias do teu avô
Tudo o que por mim passou
Te deixo para recordar
Samuel Micaelo
A única "fraqueza" que conheci ao meu avô, era o medo que ele tinha à morte.
Mais tarde percebi, que o que realmente o assustava era que o seu nome caísse no esquecimento.
Que as suas memórias e sofrimentos, que ao longo da vida foi deixando escritas, sobretudo em décimas, jamais fossem lidas ou ouvidas.
É a ele, ao "Ti Samuel", como todos o tratavam, o poeta popular da freguesia, que eu hoje pretendo aqui homenagear. Faleceu em 2006 com a idade de 96 anos, com uma lucidez impressionante.
O livro é realmente uma relíquia. Trata-se do 2° Encontro de Poetas Populares Alentejanos,
que ocorreu nos dias 30 e 31 de julho e 1 de Agosto em 1982, em Vila Viçosa, Portugal,
junto ao busto aí existente de Florbela Espanca.
Escolhi uma das suas participações, cujo tema foi "Trabalho", por a achar nos dias de hoje,
tão tristemente atual.
EU COM TANTO TRABALHAR
SÓ GANHEI FOI SOFRIMENTO
E AGORA P'RA TERMINAR
JÁ NEM GANHO P'RÓS AUMENTOS
Da idade de dez anos
Cavando na terra dura
Metido na escravatura
Sofrendo golpes tiranos
Esses cruéis desumanos
Que souberam escravizar
De tantos tormentos passar
Por viver tão explorado
De novo fiquei cansado
EU COM TANTO TRABALHAR
Meus filhos pediam pão
Eu não tinha para lhes dar
Sentia a vida a falhar
Via-me nesta aflição
É triste a recordação
Por passar tantos tormentos
Muita falta de alimentos
Que sentia dia a dia
A trabalhar para a burguesia
SÓ GANHEI FOI SOFRIMENTOS
Com um mísero salário
Sofri a fome e a miséria
Porque a crise era tão séria
Que p'ra mim foi um calvário
Trabalhador e operário
Com a vida a palpitar
Depois de tanto cavar
E no mundo tanto sofrer
Já só me resta morrer
E AGORA P'RA TERMINAR
A angustiosa herança
Que me ficou do passado
Eu fiquei bem recordado
Deste mundo de vingança
Já não espero pela bonança
Fiquei farto d'avarentos
Os homens nos parlamentos
Deixam tudo em água morna
Dão-me uma triste reforma
JÁ NEM GANHO P'RÓS AUMENTOS
Samuel Micaelo
in "Há tanta ideia Perdida...meu alentejo tão querido"
(2a Edição/ Dezembro 1982)
As origens jamais se esquecem...
o teu nome fez morada em mim
e será ensinado às gerações futuras.
Sónia M