Mostrar mensagens com a etiqueta Poetas populares. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta Poetas populares. Mostrar todas as mensagens

01 março, 2013

Origens.

Tinha 11 anos quando recebi um livro com a seguinte dedicatória:

Este livro que te ofereço
Sem entenderes que eu que mereço
Bem o deves de guardar
São relíquias do teu avô
Tudo o que por mim passou
Te deixo para recordar

Samuel Micaelo

A única "fraqueza" que conheci ao meu avô, era o medo que ele tinha à morte.
Mais tarde percebi, que o que realmente o assustava era que o seu nome caísse no esquecimento.
Que as suas memórias e sofrimentos, que ao longo da vida foi deixando escritas, sobretudo em décimas,  jamais fossem lidas ou ouvidas.
É a ele, ao "Ti Samuel", como todos o tratavam, o poeta popular da freguesia, que eu hoje pretendo aqui homenagear. Faleceu em 2006 com a idade de 96 anos, com uma lucidez impressionante.

O livro é realmente uma relíquia. Trata-se do 2° Encontro de Poetas Populares Alentejanos,
que ocorreu nos dias 30 e 31 de julho e 1 de Agosto em 1982, em Vila Viçosa, Portugal,
junto ao busto aí existente de Florbela Espanca.
Escolhi uma das suas participações, cujo tema foi "Trabalho", por a achar nos dias de hoje,
tão tristemente atual.


EU COM TANTO TRABALHAR
SÓ GANHEI FOI SOFRIMENTO
E AGORA P'RA TERMINAR
JÁ NEM GANHO P'RÓS AUMENTOS

Da idade de dez anos
Cavando na terra dura
Metido na escravatura
Sofrendo golpes tiranos
Esses cruéis desumanos
Que souberam escravizar
De tantos tormentos passar
Por viver tão explorado
De novo fiquei cansado
EU COM TANTO TRABALHAR

Meus filhos pediam pão
Eu não tinha para lhes dar
Sentia a vida a falhar
Via-me nesta aflição
É triste a recordação
Por passar tantos tormentos
Muita falta de alimentos
Que sentia dia a dia
A trabalhar para a burguesia
SÓ GANHEI FOI SOFRIMENTOS

Com um mísero salário
Sofri a fome e a miséria 
Porque a crise era tão séria
Que p'ra mim foi um calvário
Trabalhador e operário
Com a vida a palpitar
Depois de tanto cavar
E no mundo tanto sofrer
Já só me resta morrer
E AGORA P'RA TERMINAR

A angustiosa herança
Que me ficou do passado
Eu fiquei bem recordado
Deste mundo de vingança
Já não espero pela bonança 
Fiquei farto d'avarentos
Os homens nos parlamentos
Deixam tudo em água morna
Dão-me uma triste reforma
JÁ NEM GANHO P'RÓS AUMENTOS

Samuel Micaelo 
in "Há tanta ideia Perdida...meu alentejo tão querido"
(2a Edição/ Dezembro 1982)

As origens jamais se esquecem...
o teu nome fez morada em mim 
e será ensinado às gerações futuras.

Sónia M




25 setembro, 2012

Ser Poeta Popular... - João José Jardim

Ser Poeta Popular...

Ser Poeta Popular
É ter asas p'ra voar
E nos seus sonhos ir voando
É ser senhor da vontade
Que conquista a liberdade
E dizê-lo a todos cantando

É saber-se pecador
E sentir na carne a dor
Que provem do seu pecado
É querer viver o presente
Perdoando a toda a gente
E também ser perdoado

É sentir-se insatisfeito
Ter uma chaga no peito
Que sangra dia após dia
Por ver o seu povo irmão
A caminhar p'ra escravidão
Em nome da democracia

Pode ser padeiro ou pastor
Cauteleiro ou varredor
E dizer desta não saio
Até pode ser vagabundo
E andar a penar p'lo mundo
Mas jamais será lacaio

É estar sempre presente
Saber caminhar na frente
Com a força do seu querer
É ter a convicção
Que o povo desta nação 
Há-de o fascismo vencer

É sentir a Natureza
A mostrar sua beleza
Ao romper da bela aurora
E com esta sensibilidade
Fazer versos da verdade
Que dá esperança a quem chora

João José Jardim em - Há tanta ideia perdida...
(2° Edição/ Dezembro 1982)