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06 novembro, 2022

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deixa      que a luz te brilhe

brilha     que a luz te olha

agarra-a de peito livre

livre        a luz te colha


como quem arde e regressa, 

para tornar a arder, assim galopa o mistério

- de veias abertas - no dorso do mundo


©Sónia Micaelo


26 maio, 2022

A SAIA DOS POETAS





Os poetas usam saia.
Sejam mulheres, cachopas, gaiatas, miúdas...usam saia. 
Curta ou comprida. Usam saia. 
Homem, rapaz, badameco, um fedelho - usam saia. 
Parvo, sacana, ou a puta do bairro. Usam todos saia. 
A saia é o véu - onde escondem a ignorância 
com que o mundo os olha. 
A saia é o abismo - onde escondem a arrogância 
de se acharem imortais.

Imorais, os poetas usam saia. 
Tudo se esconde por debaixo daquela saia.
E a saia é o manto que os torna invisíveis 
a qualquer veredicto. 
A saia sacode o poema , onde se estendem já mortos, 
sem que ninguém diga " aqui jaz o poeta". 
Sem que ninguém se ajoelhe, ou de ternura tombe, 
ou de saudade chore! 
A saia cobre o sexo do poeta, sempre virgem. 
Onde todas as noites, pela primeira vez
 - uma vez e outra, outra vez e mais uma, há um verbo que o viola.
Violentamente! Em cada palavra, cada vírgula, em todo o poema 
- ali sangra, debaixo da saia. Uma vez e todas. 
 Sangra. E sangra...E ninguém vê. 

©Sónia Micaelo 


12 maio, 2022

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um pontinho de luz, 

bem no centro de um charco de sede, 

brilha - como quem sai de dentro da noite

para iluminar a cidade inteira.


©Sónia Micaelo 


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Fotografia, ©Nuno Clavinas 

28 agosto, 2021

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 Arrasta a casa por todas as ruas.

Por todas as cidades  

e países que atravesses.   


Que nenhum nome te arda. 


Sente os pés, 

passo a passo, 

o estômago, 

a cintura,

peso e pedras. 

O sinal de nascença, 

a respiração do pai nos caminhos 

sem eira. 

As largas mãos do destino,

o relógio de cuco do avô nas paredes da memória 

e o seu exército de criar ruínas. 


Mantém aberta a porta, longe do medo

e as paredes  caiadas de branco, 

sem  dobrar os joelhos.


Segura o beijo da mãe,

entre os dentes,

ao atravessar a ponte da ausência.


Que                              Que

nenhum                       nenhum

nome me arda.           nome me esqueça. 


Sente a tristeza 

e canta a alegria.

Longe do medo, bem longe do medo.

Sou eu a casa:

fachada de sonho e inocência

e esta é agora a minha morada.


- Voltar ao princípio em cada fronteira.


©Sónia Micaelo

(Texto e imagem)

04 julho, 2021

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Uma flor num caminho à sorte.

Breve respiro da terra.

Saber-te, semente de sol clandestino. 


Tudo tem um nome, eu sei.

Uma forma de dizer céu. 

Mar. Sonho. 

Banco de jardim. A tua mão.

Asa  quebrada. Lágrima de pássaro. 


Gritar o nome de todas as coisas,

sem ninguém que as oiça. 

Saber falar da sede que aperta,

do desejo que mata.

Perfume de pétala caída, no chão

desta viagem sem chegada. 

A  Vida. E a Partida.


Mas o que sinto, meu bem,

rasteja no silêncio. 

Um nímio silêncio sem cor nem tréguas.

Um quase adeus à palavra que salva,

numa boca colmada de beijos por dar.


© Sónia Micaelo 

 ( Texto e imagem)

     

05 junho, 2021

Perfume




Ter a fala da flor,
eis o meu mais secreto desejo.
Ser a voz no perfume
sem óbice da língua;
a palavra que se exala
mesmo à boca fechada.


©Sónia Micaelo
(Texto e imagem)

15 abril, 2021

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O  pássaro conhece o valor da nuvem. 
Sabe do cheiro da água 
na boca do entardecer. 
E tantas vezes beija a terra 
para colher o alimento.  

O pássaro percorre os céus 
e o ser sem pensar no sentir. 
Existe. Assim de simples. 
Fazendo parte de todas as coisas. 

O pássaro sabe do canto e encanta.  

Desconhece que a voz do homem 
produz sons de clausura. 
Nada sabe da palavra que se quis... liberdade. 
Mas sabe Ser. Livre. 

Amo os pássaros mais que a palavra. 
Ser, perto do voo, sem ruído de correntes.
 
©Sónia Micaelo
 (Texto e imagem) 


10 abril, 2021

Líquido rumor


Nuvem que absorve o milagre,
de onde vem, para onde vai? 
Só ela o sente, só ela sabe 
do segredo líquido que cai 
e acorda os bichos da terra. 

Alguém o bebe 
e o milagre se esvai. 
Mas por dentro gravando 
o segredo que encerra 
o nome de um deus, uma prece de santo. 
Líquido rumor florescendo 
nuns olhos lavados de pranto. 

Coberto de sede e olvido, um lençol 
se desprende do azul e esvoaça. 
Uma gota num rosto acende um grito 
e a esperança de um beijo 
da ave que passa 
por entre os dedos do sol. 

 ©Sónia Micaelo 
(Texto e imagem)

28 fevereiro, 2021






aprendias a andar no escuro
traduzias o silêncio
com a claridade de um cego

construías janelas em lugares sem luz
e avançavas pela casa sem ruído 
delicadamente
sem assustar a solidão 

admiravas as paredes vazias
como se visses para lá dos abismos 
que as construíram 

tentavas abraçar todas as sombras
colocando uma luz
que não era mais que a tua
frente ao espelho da realidade

falavas em voo

como se algum céu 
esperasse ainda
pelo pássaro de pedra

meticulosamente esculpido 
nas mãos do destino...


©Sónia Micaelo 
(Texto e imagem)

20 dezembro, 2020

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A loucura, meu bem, 
foi tentar agarrar o canto dos pássaros 
e a nudez dos ramos, 
a ouvir histórias do vento que passa. 
Entender na imagem o murmúrio das folhas caídas, um manto de preces a proteger raízes. 
Esta foi a loucura, meu bem, 
querer oferecer-te numa imagem 
a magnífica sinfonia das árvores. 
E trazer aos teus olhos, nada mais, 
que o silêncio que atravessa a ponte... 


 Sónia Micaelo
(Texto e imagem)

19 setembro, 2020





assiste ao pôr do sol
{a todos que possas}
como um colecionador de ocasos

guarda-os todos 
no mais fundo dos olhos

começa amanhã

que ainda há tempo!

agarra o primeiro 

por entre o espanto das mãos
e diz-lhe o meu nome

fala-lhe de mim

como o pássaro azul
que guarda o mistério do sonho
até ao último raio de luz

 


© Sónia Micaelo 
 (texto e imagem
)

15 agosto, 2020

Algo haverá para despir a espera

  


algo haverá para despir a espera
como se despe uma mulher
deixando a roupa espalhada no quarto

e fixando os olhos na mais feia cicatriz da parede
pede ao pequeno insecto pousado no ombro
que mastigue as cordas invisíveis da noite 

algo haverá para despir a espera

e um dia alguém dirá que voltei a casa
sem borboletas no ventre
mas que cheguei ao centro da minha rua
com toda a terra fechada no punho

sei que algo haverá...
um dia...

talvez uma noite no centro da vida
ou a vida toda no centro da espera já nua
e da boca da ave do assombro
comer ainda os morangos maduros de Agosto...


© Sónia Micaelo

(texto e imagem)

02 junho, 2020

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arde-me nas mãos 
o único que escrevi à rebeldia do medo 

entre o quase tudo 
o nada 
entre o que falta e o que sobra 
tu o corpo e a coragem 

olhaste nos olhos da manhã sem lhe veres a ternura 
{ já ninguém vê para além da cor dos olhos } 

não há verdade ou mentira 
apenas incógnita 
a calcar algo que possa haver de profundo 

e eu repeti o que agora arde ...e arde.. 
no âmago da entrega 
"o que for...que seja ...que seja o que for" 

e foi ... 
tudo o que quiseste meu bem 

uma folha mais
às costas de um verso seco...   

*

Sónia Micaelo   

(Imagem no Pinterest)

30 maio, 2020

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resta sempre o vácuo 
onde a descrença germina

e a dor...

finges atravessar incólume 
as margens ausentes
a noite e a rotina

no degredo dos dias
nem percebes
que a alma suspira em 
leito estéril 

enquanto que a vida
que se não vive

sobra...

*

Sónia Micaelo

*

(Imagem no Pinterest )

11 maio, 2020

 



Procuro nos teus olhos 
a fibra do verbo 

algo que diga amar 
frente ao abismo de um verso desfeito 

entro inteira na imagem onírica 
 que o espelho devolve 

uma superfície de brumas teima 
 em estender-se pelo corpo 
mas todo o meu sangue se acende 
no grito da ave faminta 
que por ti chama. 

As tuas mãos, meu bem, as tuas mãos... 

o desígnio, a flor do instante 
onde um deus insano 
tece um poema tardio 
e vem beijar o meu peito em ruínas .

*

Sónia Micaelo, 
in "SER MULHER III" 
Vários Autores | Edt. Mosaico de Palavras ( a editar, Outubro 2020)

*

Fotografia de Laura Makabresku

05 abril, 2020



Podia agora perder-me neste sorriso. 
Não fosse o nosso destino
uma dor de lonjuras. 
E as mãos 
este lugar frio com ruas vazias. 
Não fosse adiada a Primavera, 
com que sempre me recebes ,
nesses teus olhos lavados de ternura 
à espera de um novo abraço. 



"Era Abril...mas podia ser Agosto." 
Notas do meu diário 

Sónia Micaelo 
05/04/2020 

 Imagem, eu e o meu pai.

18 janeiro, 2020

A saudade é um lugar de solidão.
Um lugar sem fim, de onde parto e regresso. 
Um lugar que muda, sem que nada mude, 
ou tudo se transforme. 
Um lugar de portas fechadas, paredes frias. 
Um banco gelado, num jardim que desconheço, onde me sento e sorrio 
a todos quanto passam... 

Sónia M