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22 agosto, 2014

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"O silêncio é uma outra maneira da palavra viver 
e há coisas que não podem ser ditas de outra maneira." 
- Mia Couto

Fotografia Sónia M

16 junho, 2014

Férias

Ouvir-lhe a voz foi regressar ao sentido das coisas.
Nunca soube conter as águas, dos oceanos que me flutuam nas veias.
Enquanto um tombava da janela, cavando estradas até à boca,
eu perguntava-me - porque saberão todos ao mesmo? 

Sónia M






Apesar do pequeno apontamento que deixei acima, nada ter a ver com esta música do Pedro Abrunhosa, é com ela que me despeço de todos vós. Estarei de regresso a este espaço em Agosto. Aos que por aqui permanecerem, deixo um forte abraço e um obrigada, pela forma carinhosa com que sempre me comentam.
Sónia M

27 maio, 2014

O Suicídio das aves



Vejo a memória como um corredor, com paredes cheias de janelas assimétricas. Muito comprido, a terminar no lugar onde agora me encontro. À minha frente há um muro que pulsa, como se tivesse dentro um coração, e, se a ele lhe encosto o peito, desfaz-se numa nuvem branca, voltando a formar-se um pouco mais à frente. E assim avanço, sem nunca saber o que haverá para além deste muro que pulsa, que o único que me pede, é que a cada dia que passa, junte o pulsar do meu peito ao dele, em troca de mais uns passos.

Há momentos em que gosto de virar as costas ao muro. Entretenho os dedos a contar as janelas, e os olhos, com o tamanho do corredor, que de cada vez me parece mais comprido. Às vezes há uma janela que se abre por este ou aquele motivo. Pode ser um cheiro, uma palavra, um bater de asas de um pássaro, um riso de uma criança ou um céu mais estrelado. Não é preciso muito, para que uma dessas janelas se abra e me deixe olhar para mim , num tempo que já não existe. De todas as viagens que já fiz, é esta, a que faço por este corredor, espreitando pelas janelas, guardiãs de todas as viagens, a que considero verdadeiramente mágica. Nesta viagem, encontro tudo o que aprendi e o que não consegui aprender. Provavelmente, este momento, ficará também fechado dentro de uma janela, como a memória que viajou até se encontrar na primeira...
Esta é a minha primeira janela. Antes dela, não há mais nada.

Cheirava a bolo de chocolate e a café. Levantei-me da cama e corri para a cozinha. Abracei-me à minha mãe, que preparava o pequeno almoço.
- Onde está a mana?
- A mana está na casa de banho. Não te esqueceste que dia é hoje pois não?
- Não esqueci, não! E o pai?
- O pai está no quintal a tratar dos animais.
Mal ouvi que o meu pai estava no quintal, corri para fora da cozinha, atravessei a sala de jantar e ao chegar ao corredor que dava acesso ao quintal, ouvi o grito da minha mãe.
- Não vás para o quintal descalça!
Mas eu fingi que não a ouvia. O quintal era para mim o paraíso e no paraíso não se precisa usar sapatos. Abri a porta do quintal e saltei por cima dos três degraus da entrada, acabando por cair. Não chorei, que aquele não era dia de chorar. Fiquei no chão a olhar para a árvore no centro do quintal. Era enorme. E eu sabia que ela tocava o céu, como o pé de feijão da história que a minha mãe me contou. Só que lá em cima não havia gigantes maus. A minha árvore, era o caminho para um lugar onde todos eram bons e tinham asas, como os pássaros, que faziam ninho nos seus braços, que davam sombra a quase todo o quintal. 

Ao avistar o meu pai levantei-me e corri para ele. Ainda não o tinha alcançado quando ouvi a D. Joana, a vizinha da frente, entrar em minha casa aos gritos. O meu pai largou tudo. Passou por mim a correr, sem me ver, e entrou em casa. Eu segui-o, sem perceber o motivo de tanta aflição. Continuei a segui-los a todos, quando saíram a correr para o pátio da frente. E continuei a segui-los, quando atravessaram a estrada e entraram em casa da D. Joana, que parecia histérica. Entrei a tempo de ouvir o meu pai gritar.
- Não o faças!
E de o ver arrombar a porta do quintal. Quando a porta se abriu, vi o Sr. Zé, o marido da D. Joana, pendurado no alpendre, por uma corda no pescoço. Estava nu, com uma toalha enrolada à cintura e as pernas estrebuchavam violentamente. O meu pai agarrou-lhe de imediato as pernas e tentou tirá-lo da corda. O Sr. Zé era um homem muito gordo, não sei onde foi o meu pai buscar tanta força nos braços, para o conseguir elevar e tirar-lhe a corda. Deitou-o no chão e tentou reanimá-lo, mas em vão. Entretanto todos os vizinhos da rua, já haviam entrado na casa. Uns diziam que se havia matado, outros que o pescoço se partiu, outro que já tinha chamado a ambulância e no meio daquilo tudo ninguém notava a minha presença. Eu era tão pequena. Pequena demais para entender o que se passava. O único que sabia era que o meu pai estava a fazer uma coisa importante e que todos aguardavam, que aquilo que o meu pai fazia ao Sr. Zé, o fizesse mexer novamente, mas o Sr. Zé não se mexia. Entretanto alguém me agarrou pelo braço, a mim e à minha irmã, e nos levou para nossa casa. Eu nem havia notado a presença da minha irmã, ainda não a tinha visto e aquele dia era dela. Ouvi-a dizer baixinho,
- Ninguém se lembra que eu faço anos...
- Eu lembro...Parabéns!-
- Mas agora já não é a mesma coisa...

O facto de ser o aniversário da minha irmã, faz-me situar no tempo com precisão. A minha irmã fazia 9 anos e daí a 3 meses eu faria 4.
Foi a minha madrinha que nos levou para casa. Eu sabia que o Sr. Zé estava morto e que nunca mais o íamos ver. Era isso que queria dizer “estar morto”. Deixávamos de ver as pessoas, só não sabia para onde é que elas iam, mas deixávamos de as ver. E o Sr. Zé não queria que ninguém mais o visse. Fiz mil perguntas à minha madrinha sobre o que se passou, mas nenhuma resposta me pareceu convincente, então fui para o quintal, para junto da minha árvore mágica.

Em redor do tronco, algumas raízes furavam a terra. Uma delas, um pouco mais saliente, tinha uma curvatura, que parecia feita à medida do meu corpo e eu sentava-me muitas vezes ali, como se estivesse ao seu colo. Gostava de olhar os ninhos dos pássaros e aqueles braços enormes, que se agitavam ao sabor do vento, como se lutassem contra dragões, protegendo-me. A árvore estava agitada, lutava violentamente contra o vento. De repente parou, como se tivesse perdido a batalha. Ao mesmo tempo, algo caía em direcção da minha cabeça e eu saltei-lhe rapidamente do colo. Caiu estatelado na terra. Era um pássaro. Cheguei perto, toquei-lhe com um dedo, mas tal como o Sr. Zé, ele não se mexia. Durante algum tempo fiquei ali, a olhar para ele, até que os braços da árvore se voltaram a movimentar, desta vez, suavemente. E foi assim, com um bailado de folhas e braços, que a minha árvore mágica me contou um segredo, que tinha guardado no tronco. Um segredo, que só uma menina de quase 4 anos conseguia ouvir.

Para cada homem há uma ave, que nas asas lhe guarda a bondade, a coragem e a pureza. Sempre que um homem desiste e não se deixa mais ver, há uma ave que se suicida.”

Venha quem desdiga a menina, quem desminta os segredos que por si descobre. Ou quem lhe diga que são mentiras, as verdades que só ela conhece.

Foi aí que chorei. E se o mundo ficar sem pássaros?


Sónia M
Texto integrado na Antologia "Aquela Viagem", Papel D'Arroz Editora

26 março, 2014

Será que as paredes também choram?

Eram quase oito da noite e as temperaturas ainda rondavam os 40°C. 
O céu tinha o azul da manhã e o sol queimava na pele como se fosse meio dia. Mas o Alentejo é assim no verão, talvez seja isso que faz a vida ali parecer mais lenta. Cerca de um quilómetro antes de entrar nas muralhas da cidade, decidimos à ultima da hora visitar um local, que apesar daquela ser a "nossa" cidade, jamais havíamos pisado. Subimos por uma estrada estreita, ao chegar ao fim da estrada a vista que tínhamos era fantástica. Dava a sensação que dali se podia ver o mundo inteiro. Não trazíamos connosco nenhuma máquina fotográfica, mas a necessidade de gravar o que víamos em mais algum lugar, que não fosse apenas a memória, fez-nos usar os telemóveis. Apesar da qualidade das imagens não ser a melhor, hoje quero partilhá-las convosco. 

Podíamos ver nitidamente alguns bairros periféricos à cidade, o castelo, e, no centro desta primeira foto, aquele que é considerado o maior aqueduto da península Ibérica, o Aqueduto da Amoreira. Tem 8,5 quilómetros de extensão, 843 arcos com mais de 5 arcadas e torres que se elevam a 31 metros de altura. Foi construído com o intuito de trazer a água desde os arrabaldes, no local da Amoreira, até ao centro da cidade. Uma vez que o poço que abastecia a cidade, desde a época da ocupação árabe, se tornou insuficiente, devido ao aumento da população. Foi em 1537 que João III de Portugal, designou o arquitecto Francisco de Arruda para executar o projecto, mas só em 1620, correram pelo aqueduto, as primeiras águas dentro dos muros da cidade. O Aqueduto da Amoreira, está classificado como Monumento Nacional desde 1910. E  integra o sítio denominado Cidade Fronteiriça e de Guarnição de Elvas e as suas Fortificações, classificado pela UNESCO como Património Mundial desde 2012.


Pisamos agora, um dos pontos mais altos da região, sendo portanto, um local de grande importância estratégica. Estamos às portas do Forte de Nossa Senhora da Graça (Alentejo, Elvas, Portugal).


Como se pode ver, as portas estão abertas. E qualquer um se pode passear, por este local carregado de História. Foi daqui que o exército espanhol atacou severamente a cidade durante o cerco de Elvas (1658-1659), na Guerra da Restauração, quando na altura o único que aqui havia era uma capela em homenagem à Nossa Senhora da Graça. Situação que se repete em 1762, durante a Guerra dos Sete Anos, quando Elvas foi novamente sitiada. É então que D. José I, determina que seja aqui construída uma fortaleza que permita completar o circuito defensivo da cidade, encarregando o Marechal Wilhelm von Schaumburg-Lippe (nome pelo qual ficou durante muito tempo conhecido - Forte de Lippe)  do seu planeamento e da defesa do reino. Terão trabalhado na construção deste forte, entre 1763 e 1792 (ano em que ficou concluído),  3 a 4 mil homens.  O forte resistiu ao ataque das tropas espanholas durante a Guerra das Laranjas (1801) e ao bombardeamento infligido pelas tropas francesas do general Soult, Guerra Peninsular (1811). No passado foi usado pelo exército português como prisão militar. Recentemente conheci um senhor,  aqui nas ruas de Antuérpia, que nele cumpriu a sua pena, partilhando comigo algumas memórias mais caricatas que tem do local. O mundo é pequeno...

O Forte de Nossa Senhora da Graça integra o sítio denominado Cidade Fronteiriça e de Guarnição de Elvas e as suas Fortificações, classificado pela UNESCO como Património Mundial desde 2012.
                                                     





O interior é um labirinto, uma verdadeira obra prima da arquitectura militar europeia do século XVIII, infelizmente as imagens mostram bem as condições em que se encontra, muito próximo da ruína...

E eu, que já sei do abandono às pessoas e lhe conheço as lágrimas, no fim da visita não deixava de me perguntar - Será que as paredes também choram?














"Não há conquistas ou ambições a satisfazer, mas há o grande dever de conservar o que nos resta da herança do mar."





"A Pátria é uma herança sagrada que devemos transmitir intacta aos nossos descendentes."









Nota:
À data desta publicação, consegui apurar junto a um funcionário da Câmara Municipal de Elvas, que a Câmara adquiriu os prédios militares da cidade e que neste momento, se encontra a decorrer um concurso, para adjudicação da empreitada para a obra de recuperação.

Mas a vida no Alentejo, tal como acima mencionei, corre, corre e corre, a passo de tartaruga...

Sónia M

12 fevereiro, 2014

A cidade

Hoje trago-vos algumas imagens de um lugar que tivemos o prazer (eu e a família) de visitar há dias.
Trata-se de uma casa projetada pelo pintor Peter Paul Rubens, hoje o Museu Rubenshuis. Uma villa de influência italiana no centro de Antuérpia que acomodava também o seu estúdio, onde ele e os seus aprendizes fizeram a maior parte de suas obras, muito populares entre a nobreza e os colecionadores por toda a Europa, além de sua coleção de arte pessoal e uma biblioteca, ambas entre as maiores de Antuérpia.

Rubens foi um pintor flamengo, inserido no contexto do Barroco. Foi humanista, um colecionador e diplomata, chegando a ser elevado ao título de cavaleiro por duas vezes, a primeira por Filipe IV (1624) e a segunda por Carlos I (1630). Neste período a sua carreira diplomática esteve particularmente ativa, movimentava-se frequentemente entre as cortes da Espanha e da Inglaterra tentando promover a paz entre os Países Baixos Espanhóis e as Províncias Unidas.  Estudou latim, literatura clássica, grego clássico e a arte romana. Foi um artista muito prolífico. As suas obras por encomenda foram na sua maioria sobre assuntos religiosos, pinturas "históricas", que incluem assuntos mitológicos e cenas de caçada. Pintou muitos retratos, especialmente de amigos e autorretratos, e, no final da sua vida, pintou também diversas paisagens.

Peter Paul Rubens nasce em 1577 e morre de gota aos 62 anos, em 1640. Deixou 8 filhos, 3 com Isabella Brant, a sua primeira esposa, e 5 de Hélène Fourment, uma donzela de 16 anos com quem casou aos 53 anos, após a morte de Isabella. Uma pequena curiosidade - o seu último filho, nasce 8 meses após a sua morte. O Museu Rubenshuis, é sem dúvida, um lugar de visita quase obrigatória. Fascinante! Tal como a vida de Rubens.