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05 janeiro, 2021

OS DIAS NÃO ANDAM SATISFEITOS - Poema de Joaquim Pessoa





Desta forma desejo a todos um Feliz 2021! 
Haja saúde. Haja abraços. Haja liberdade para ser feliz.

Deixo um abraço e o meu carinho.

Sónia M

08 junho, 2013

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)




Dia 281.

Conta comigo sempre. Desde a sílaba inicial até à última gota
de sangue. Venho do silêncio incerto do poema e sou, umas 

vezes constelação e outras vezes árvore, tantas vezes equilíbrio,
outras tantas tempestade. A nossa memória é um mistério, 

recordo-me de uma música maravilhosa que nunca ouvi, na 
qual consigo distinguir com clareza as flautas, os violinos, o 
oboé. O sonho é, e será sempre e apenas, dos vivos, dos que 
mastigam o pão amadurecido da dúvida e a carne deslumbrada 
das pupilas. Estou entre vazios e plenitudes, encho as mãos com
uma fragilidade que é um pássaro sábio e distraído que se 

aninha no coração e se alimenta de amor, esse amor acima do
desejo, bem acima do sofrimento.
Conta comigo sempre. Piso as mesmas pedras que tu pisas,
ergo-me da face da mesma moeda em que te reconheço, contigo 

quero festejar dias antigos e os dias que hão-de vir, contigo 
repartirei também a minha fome mas, e sobretudo, repartirei 
até o que é indivisível.
Tu sabes onde estou. Sabes como me chamo. Estarei presente
quando já mais ninguém estiver contigo, quando chegar a hora 

decisiva e não encontrares mais esperança, quando a tua
antiga coragem vacilar. Caminharei a teu lado. Haverá decerto
algumas flores derrubadas, mas haverá igualmente um sol limpo 

que interrogará as tuas mãos e que te ajudará a encontrar,
entre as respostas possíveis, as mais humildes, quero eu dizer,
as mais sábias e as mais livres.
Conta comigo. Sempre.




Joaquim Pessoa

15 outubro, 2012

JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)


                                                                    Fotografia: Love is a Mistery, de Joachim G. Pinkawa


JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)


DIA 17

Estou preso à tua liberdade. Uma liberdade que me empurra 

para a luz quando o meu corpo respira sombra, e este é
o trabalho mais oculto do mundo. O que chega aos poucos
pode chegar depressa e às escondidas, com a rapidez da
mordedura das víboras e do furor das moreias.
Gostar de ti é uma ferida. Gostar de ti como se me deixasse 

morrer de morte iluminada que resultasse num cadáver
amoroso, rodeado de uma luz perversa, estúpida, circundante.
Estou entre o nada e a parede como um animal com todas
as saídas, sem saber por qual delas deve sair. Com medo
de sangrar e de gostar do próprio sangue. 

Com medo de ter medo.
Toda a minha história é uma história de amor.

(retirado daqui: https://www.facebook.com/pages/Quem-l%C3%AA-Sophia-de-Mello-Breyner-Andresen/112890882080018?ref=stream)


16 setembro, 2012

                                                        (Óleo s/ tela: But a Moment, Revisited, por Jenedy Paige)


JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

Dia 46


São as pessoas como tu que fazem com que o nada queira dizer-nos algo, as coisas vulgares se tornem coisas impor-tantes e as preocupações maiores sejam de facto mais pe-quenas.

São as pessoas como tu que dão outra dimensão aos dias, transformando a chuva em delirante orvalho e fazendo do inverno uma estação de rosas rubras.

As pessoas como tu possuem não uma, mas todas as vidas.
Pessoas que amam e se entregam porque amar é também partilhar as mãos e o corpo.
Pessoas que nos escutam e nos beijam e sabem transformar o cansaço numa esperança aliciante, tocando-nos o rosto com dedos de água pura, soltando-nos os cabelos com a leveza do pássaro ou a firmeza da flecha.

São as pessoas como tu que nos respiram e nos fazem ins-pirar com elas o azul que há no dorso das manhãs, e nos estendem os braços e nos apertam até sentirmos o coração transformar o peito numa música infinita.
São as pessoas como tu que nunca nos pedem nada mas têm sempre tudo para dar, e que fazem de nós nem ícaros nem prisioneiros, mas homens e mulheres com a estatura da vida, capazes da beleza e da justiça, do sofrimento e do amor.
São as pessoas como tu que, interrogando-nos, se interrogam, e encontram respostas para todas as perguntas nos nossos olhos e no nosso coração.
As pessoas que por toda a parte deixam uma flor para que ela possa levar beleza e ternura a outras mãos.
Essas pessoas que estão sempre ao nosso lado para nos ensinar em todos os momentos, ou em qualquer momento, a não sentir o medo, a reparar num gesto, a escutar um violino.
São as pessoas como tu que ajudam a transformar o mundo.

(Retirado daqui,https://www.facebook.com/pages/Quem-l%C3%AA-Sophia-de-Mello-Breyner-Andresen/112890882080018?ref=stream

08 julho, 2012



JOAQUIM PESSOA, in ANO COMUM (Litexa, 2011)

DIA 20

A cor do domingo é inspirada. Pequenos peixes 

improvavelmente florescem dos teus gestos, o teu corpo 
extasiado está ainda na minha memória e já não é corpo,
é memória.
Oiço o destino como se ouvem os guisos, os sinos e o
vento. Sei que guardas palavras minhas nos cabelos, as
que não couberam na tua cabeça, mas que estavam já
grávidas de amor.
Essas palavras são o meu ofício e a minha fala.
Não poderei repeti-las. Pertencem a um momento 

único, filhas de um fogo puro, intenso e imenso. Com o
barro da sombra vou fazer o sol, construir a casa para
ti, para a tua ausência. Pintá-la com a cor deste 

domingo, madura e abundante.
Vou escrever o mundo e inscrever-te nele, como se, 

antes de nós, o mundo não tivesse existido.