Ao entrar no blog do meu amigo Alexandre de Castro, encontrei por lá uma bruxa ( aqui ) que me fez lembrar este episódio, que agora partilho. Tive até a ousadia de lhe roubar a bruxa, que bem podia ser a minha.
Um dia, uma amiga, pediu-me que eu a acompanhasse a Portalegre a uma consulta, que eu deduzi automaticamente que fosse uma consulta médica. Acedi ao pedido e lá fomos as duas de autocarro, de Elvas a Portalegre. Quando chegámos, apanhámos um táxi e a minha amiga entregou ao taxista um pedaço de papel com a morada, que o homem imediatamente reconheceu.
- Vai ver a Dona C.? É a primeira vez?
-Não, não! Já sou sua doente há três anos.
- Ela é fantástica. Tem curado muita gente!
Este pequeno diálogo, entre a minha amiga e o taxista, deixou-me curiosa. Sempre achei esta minha amiga muito saudável, nunca lhe conheci uma única dor de cabeça e fiquei a matutar que doença teria ela, para andar a ser tratada já há três anos. Como nunca fui de fazer muitas perguntas, fiquei calada, pensando que em breve iria saber, uma vez que ela me tinha pedido que entrasse com ela, naquilo que eu achava que seria um consultório médico.
O taxista deixou-nos à porta de um prédio, não recordo com quantos andares, mas recordo que o elevador nos deixou no 4°. Tocámos à campainha e um senhor, com os seus 50 anos, abriu-nos a porta. Foi ao entrar que comecei a duvidar daquela consulta. Na entrada, uma consola exibia fotografias familiares: uma avó com os netos no parque; uma rapariga à beira mar; um bebé com umas belas bochechas, sentado num cadeirão. As fotografias não deixaram de aparecer ao longo do corredor, por onde estávamos a ser conduzidas. Chegámos a uma sala comum, um arco na parede, separava a área de jantar da de estar, onde pelos menos umas oito pessoas, espalhadas entre as duas áreas, aguardavam a sua vez. Não vi um único livro ou revista, mas chamou-me a atenção, a quantidade de peças de estanho que decoravam os móveis de castanheira. O senhor apontando para duas cadeiras, disse baixinho - Sentem-se, quando a Dona C. abrir a porta ela irá escolher quem vai ver primeiro.
Ali ficámos sentadas uma boa meia hora, no meio de um silêncio desconfortável, que ninguém ousava quebrar. De repente, comecei a ouvir gemidos, provenientes da sala ao lado - a que tinha a porta fechada, de onde era suposto aparecer a "médica". Quanto mais alto se ouviam os gemidos, menos eu percebia se seriam de aflição, ou de alguém a ter um orgasmo. Apeteceu-me levantar e deixar a minha amiga pendurada. Foi com muito esforço que resisti ao impulso e fiquei ali, quietinha, a ver como muitos dos presentes se benziam! E eu só pensava, "onde é que eu me vim meter?". De repente, um grito, arrepiou-me dos pés até à nuca, e, logo de seguida, voltou a fazer-se silêncio. Trinta segundos depois a porta abriu-se. Dela saiu uma quarentona, bonita, bem vestida, apesar de a ter achado um pouco despenteada, e logo atrás, a "médica". A quarentona desfez-se em agradecimentos, chegando mesmo a beijar as mãos à "médica"! E lá saiu, acompanhada pelo mesmo senhor que nos abriu a porta. A Dona C. deitou um olhar rápido à sala e de repente fixou-se em mim.
- Que olhos tão bonitos! Vem.
Eu muito atrapalhada, respondi imediatamente.
- Não, não! Eu só vim acompanhar a minha amiga.
- Então entrem as duas, tu também precisas.
"Mau mau, Maria!" pensei, "querem lá ver que acabam de me arranjar uma doença!". Muito contra a minha vontade, lá entrei. E a Dona C. decidiu que eu seria "tratada" primeiro. Assim que me apanhou sentada numa cadeira, colocou-me uma mão na testa, não sei se a direita se a esquerda, só sei que usava a outra para a sacudir energicamente à minha volta, enquanto murmurava não sei o quê, porque eu não a percebia, e me despenteava toda. Cá estava a explicação do penteado da quarentona. Eu, mesmo sem achar graça nenhuma àquele teatro todo, comecei a ficar presa à cadeira. Mas mesmo colada! E mais colada fiquei, quando ela começa a falar, como que em transe.
- Estou a vê-lo! Ele está a falar comigo. Espera...não o consigo perceber...espera...ele não te quer fazer mal...mas quando te mudaste para a casa nova, ele foi contigo... José...não...João! É o teu tio João. Um tio já afastado...morreu há muitos anos...estou a vê-lo...tem uma deficiência...é coxo! Sabes quem é?
Eu, que havia ficado sem pio, só consegui abanar a cabeça, para lhe dizer que não. E ela lá continuou, sempre agarrada à minha cabeça, agora já com as duas mãos.
- Estou a vê-lo bem agora, está a vir até mim, a coxear... tens que o ajudar a seguir.
Largou-me a cabeça, lavou as mãos, secou-as numa toalha branca e escreveu num papel uma reza, que eu devia dizer em todas as divisões da minha casa nova, enquanto as benzia com sal grosso. Supostamente, isso iria expulsar o espírito do meu "tio falecido" e deixaria de ouvir os ruídos que sempre ouvia à noite. E eu que achava que era a Nuxa, a gata, que à noite se entretinha, a atirar ao chão, os pequenos electrodomésticos da cozinha! Depois foi "tratar" a minha amiga, que por ser já bem conhecida, teve muito mais assunto para "tratar". No final daquilo tudo, a minha amiga pagou-lhe e lá saímos as duas, todas descabeladas. No regresso a Elvas, nenhuma das duas pronunciou uma única palavra. Escusado será dizer, que nunca mais a acompanhei a consulta nenhuma.
Aquele episódio não me saía da cabeça. Havia ali muita coisa que eu não estava a conseguir explicar. Logo eu, que sempre gostei de chegar ao fundo de todas as explicações. Nesse fim de semana, fui visitar a minha mãe. Como quem "não quer a coisa", comecei a indagar, sobre um possível tio que tivesse morrido coxo. Mais estranho ficou tudo, quando descobri um tio que se chamava João, que morrera há mais de 20 anos. O único que a minha mãe não se lembrava, era que fosse coxo.
Passei a semana toda a ouvir ruídos em casa. Era de dia, era de noite, já tudo me parecia o "João coxo" aos saltinhos. As portas que se fechavam, já não eram correntes de ar, eram o João, todo lixado comigo, porque eu ainda não tinha benzido a casa, e o homem que era coxo, precisava de ajuda para seguir o seu caminho. Os ruídos no telhado eram o que mais confusão me fazia. Pareciam patas, que eu logo imaginei serem as unhas do dito cujo, que já deviam estar bem grandes, a raspar no sótão do prédio. O meu andar era o último. E como raio é que a "bruxa" soube que eu me havia mudado para uma casa nova?
Por aquela altura, eu gostava muito de bordar em ponto de cruz.
Certa noite, estava eu e a gata, sozinhas em casa. Sentei-me a bordar num cadeirão, onde eu mais gostava de o fazer, colocado estrategicamente por baixo do candeeiro da sala, para o efeito. Já estava a bordar há uns bons 20 minutos, com a gata enroscada às pernas, quando de repente me começam a cair gotas de água em cima do bordado. Juro que pensei, "Porra! o João coxo já chora!". Fiquei com medo de olhar para cima, não fosse dar de caras com o coxo a chorar, agarrado ao candeeiro. Ali estava eu, sem tirar os olhos das mãos, a ouvir a chuva a cair lá fora, gelada no cadeirão, com medo de olhar para cima. Foi precisamente o olhar para as mãos, que me acendeu uma luz no cérebro, que nos últimos dias, não andava a funcionar muito bem. Uma das minhas mãos, exibia uma aliança. Com a cara de "menina" que eu ainda tinha na altura (22 anos), qualquer pessoa deduziria que eu seria uma recém casada, daí a mudança para a "casa nova"...olhei imediatamente para cima e comecei a rir à gargalhada, ao ponto de assustar a gata. Levantei-me e fui bater à porta da minha vizinha da frente, que tratava do condomínio do prédio, para a informar que me chovia na sala. No dia seguinte, descobrimos que algumas telhas fora do lugar, deixaram entrar a chuva e uns quantos pombos no sótão (olha aqui as patinhas, que já eram unhas!), mandou-se arranjar o telhado, e, o "tio João", que pela vulgaridade do nome, vivo ou morto, na minha terra quase todos têm um, lá seguiu o seu caminho.
Sónia M
Sónia M
Se o Passos Coelho descobre esta economia paralela...
É que fica caro, muito caro, ir a estes sítios despentear o cabelo!