23 outubro, 2012

O bolo de noz da gaiata



Ela era apenas uma gaiata, 
no tempo em que ainda se podia brincar na rua.
Todos os dias no caminho para a escola, encontrava o Sr. Joaquim e a D. Amélia 
à porta de casa, sentados numa daquelas cadeiras de verga, que o próprio 
Sr. Joaquim continuava ainda a fazer, apesar da sua avançada idade.
Quase todos os dias a gaiata lhes trazia o pão. Às vezes as compras da mercearia. 
Era sempre recompensada com uma deliciosa fatia de bolo.
-Toma lá gaiata! Estás tão magrinha! Ainda deve estar quentinho.
Ela gostava deles. Eram sempre doces, simpáticos, faziam tudo juntos. 
Mas o que ela mais gostava, era de subir a rua em direção à escola, 
mastigando aquele bolo com pedaços de noz!
Um dia, ao chegar perto da casa, deu de caras com uma ambulância parada na porta.
A porta aberta como sempre, mas as cadeiras vazias... 
Lá de dentro tiraram a D. Amélia, deitada numa maca e enfiaram-na na ambulância...já ia morta.
O Sr. Joaquim tapava o rosto com as mãos e chorava, chorava muito! 
Dizia baixinho o nome dela, uma...e outra vez. 
Ficou assim, parado no meio da rua, como se olhasse para a sua vida 
a desaparecer na curva. - Amélia, o que vou eu fazer sem ti...
Devagar, dirigiu-se para a porta, mas parou, como se não conseguisse entrar. 
Até que se deixou cair na cadeira...
Ali estava ele, como sempre, sentado à porta de sua casa!
A gaiata continuava parada na esquina, como se estivesse colada ao chão. 
De repente, reparou que ainda trazia o saco do pão e dirigiu-se ao Sr. Joaquim. 
A casa já não cheirava a lavanda, como todos os dias, um perfume que se espalhava
 logo pela manhã, por quase toda a rua.
Ele permanecia sentado, cabeça baixa, com as mãos no rosto molhado.
Estendeu-lhe o saco. Ele levantou a cabeça, olhou-a e balbuciou 
- Hoje...não tens bolo, gaiata...
Virou costas e correu rua acima, como uma doida, sem reparar que também ela chorava.A partir daquele dia, sempre que ali passava, olhava a porta fechada, sem as cadeiras...sem vida.
Mentalmente dizia-lhes bom dia...até que um dia...deixou de o fazer!

Sónia M

Porque a história sempre se repete....
À Ti Violante

20 comentários:

  1. Para Ti, Gaiata!

    Um Afago Doce em teu Coração!
    E um Beijo... de muita Emoção!

    ResponderEliminar
  2. ¡ Hola! Agradable. Qué bien. Estas visitas son hermosas, y estoy disfrutando de interacción literaria. Le deseo un buen día! He leído con placer esta historia de vida.

    ResponderEliminar
  3. Comovente História, contada
    Sr. Joaquim e Dª. Amélia
    Do bolo de noz, e da gaiata
    Presenciando triste tragédia.

    E o que faz o caracol
    Com a casa às costas
    Nos cornos apanhando sol
    Devorador das hortas!

    Amiga sabe como os alentejanos
    apanham aquele bicho tão irrequieto?

    Boa terça-feira para você,
    um beijo
    Eduardo.

    ResponderEliminar
  4. Muy buen Relato, lleno de Sentimiento.
    Un abrazo.

    ResponderEliminar
  5. Vim por momentos me sentar aqui na sua cadeira, para nela lhe deixar o que ainda em mim há vivo.
    Gostei, gosto muito e...gostarei... (se é que a gaiata me entende)

    Beijito e bom dia >;P aqui da Maria :)

    ResponderEliminar
  6. Olá Sonia,
    Adorei o conto! Achei magnífico, meus parabéns pelo texto, além de criativo original e sugestivo,irrepreensivelmente escrito!
    Beijos.

    ResponderEliminar
  7. Sutil e tocante, teu relato, gaiata.

    Abraço!

    ResponderEliminar
  8. Diz a comadre, não vá por aí,
    Amigo Eduardo
    Que não erra nenhuma, já percebi
    Como verdadeiro alentejano
    Amiga Sónia, o meu muito obrigado!
    Tenho que inventar uma para ver se a engano?
    Só na brincadeira, que não seja mal interpretado!

    Do Alto ou do Baixo
    Alentejo lindo é
    Por causa do tacho
    Quem paga a crise é o Zé!

    Um beijo.

    ResponderEliminar
  9. Amiga Sónia recebi um presente, e vou partilhá-los com mais 7 blogues amigos,e você é uma das amigas escolhidas. Passa lá no rima blog eu te dou uma flor, e pega ele leva-o contigo. É todo seu, que lhe ofereço com amizade!

    Beijinho
    Eduardo.

    ResponderEliminar
  10. História um pouco triste e comovente, mas é a realidade da vida, todos nós para lá caminhamos!
    O Compadri Eduardo e a Comadri Sónia, já parecem a professora e o Joãozinho, temos de promover a Sónia a Diretora Alentejana, porque as acerta todas!-:)
    O meu grande abraço e continuação de boa disposição

    ResponderEliminar
  11. Uma gaiata no tempo que ainda podia brincar na rua....


    Gostei muito, Sónia

    Beijinho

    ResponderEliminar
  12. Linda história.
    Mas toda história tem um fim, mas na vida cada final é um novo começo!

    Beijo.

    ResponderEliminar
  13. Hola Sónia, buenas noches,
    hermosa historia,
    un poco triste, pero hermosa
    yo quisiera llegar a viejo
    y ser parte de una historia asi.

    te deseo un bonito miercoles
    besitos "bonita"

    ResponderEliminar
  14. Nossa Sónia, seu texto começou tão doce e terminou assim, triste....
    Infelizmente a morte é algo com o qual já deveríamos ter nascido acostumados. Talvez a gente até seja acostumado, mas esquece-se disso durante o percurso da vida....

    Terminei de ler o seu texto, me sentindo a gaiata e sentindo saudades da D. Amélia.

    bjs

    ResponderEliminar
  15. Um belíssimo texto minha amiga...beijos e beijos de bom dia.

    ResponderEliminar
  16. Bonito, bem estruturado e triste! Parabéns pelo texto!
    PS: Adorei o novo layout!
    Um beijo grande!

    ResponderEliminar
  17. Por ver o caracol, me lembrei da feira de Castro Verde.

    O compadri Joaquim
    E a comadri Joaquina
    Foram à feira de castro
    Nunca tinham visto coisa assim
    Uma menina
    A dançar com um cágado
    Acorrer chegou o caracol
    E vinha muito zangado
    Enrolado num lençol
    Que antes tinhas roubado
    Ele vinha de bicicleta
    E a menina raptou
    E com ela
    No lençol se enrolou?

    Boa quarta-feira para você,
    um beijo
    Eduardo.

    ResponderEliminar
  18. Sónia minha querida amiga, Que lindo post! Confesso que veio lágrimas em meus olhos; pois sou muito sentimental, ainda mais com essa música de fundo.
    MARAVILHOSO.
    Beijos

    ResponderEliminar
  19. São os caminhos que a vida não esquece de cumprir. Muito lindo. Beijinhos no teu coração!!

    ResponderEliminar
  20. Ola Sonia,
    fecham ciclos e abrem-se outros.

    Belo texto.

    Beijos

    ResponderEliminar

NÃO SERÃO PUBLICADOS COMENTÁRIOS ANÓNIMOS