09 janeiro, 2021

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nunca saberei se foi a crueldade 
ou o medo
a ferir as estações da ausência 

inventei verdades de seda
para abrigar o teu silêncio 
e bati tantas vezes às portas da tua incerteza

tu medias os anos à alma 
e contavas pelos dedos 
há quantas vidas a tua boca amarga
seduzia o corpo da solidão 
como se fosse uma mulher sem voz 
nem rosto

e na invisibilidade da existência 
fosse seguro despir-lhe o ombro 
tocar-lhe o joelho
ter as coxas da noite a arder na sede 
dos lábios 

sem ficar irremediavelmente perdido 
na escuridão 

chamei-te tantas vezes...
como tantas foram as que não ouviste 

lias a mesma página de um livro
que há muito escreveste 
uma e outra vez
como uma tristeza demorada 
permanente 
onde a paixão é coisa breve
disfarçada de eternidades
a inscrever num verso roto

nunca saberei
nunca tu saberás...
da loucura 
nem das sementes dos meus dedos
na aridez dos teus dias


Sónia Micaelo 

*

Arte, Michal  Mozolewski


10 comentários:

  1. Poeticamente fascinante de ler. Simplesmente sublime

    Feliz fim de semana

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  2. Que belo pulsar da linguagem, Sónia. Como a palavra vai se afirmando na sua capacidade criadora no poema, ainda que o móbile seja a solidão, o vazio, a sombra. Adorei ler-te mais uma vez...
    Um abraço,

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  3. Sónia
    Mesmo sem ler a autora sabia que o poema era teu.
    Escreves com alma, sentimento, saudade às vezes quase "raiva" mas sabes "beincar" com as palavras.
    Adorei ler-te.
    Bom Ano No de 2021
    beijinhos
    :)

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  4. Boa tarde Sónia,
    Gosto tanto de a ler...
    É profundamente bela a forma como expressa os seus sentimentos mantendo-se fiel ao que o seu coração guarda e regista.
    Muito obrigada pela sua visita. Adorei.
    Beijinhos e Bom 2021 com muita saúde.
    Ailime

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  5. Sussurros me arrepiam, principalmente
    ao pé do ouvido. Um bom hálito, meia
    luz e muito hormônio no ar... (risos)
    Um beijão e boa tarde.

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  6. Muito belo Sónia! Excelente!
    Vivemos sempre na esperança de que tudo se redima, esse "ser-se" no outro, esse "dar-se" e estar tão só nesse medo de ficar perdido na escuridão...

    Uma boa semana para ti. Um beijo!

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  7. Sónia,
    “...lias a mesma página de um livro
    que há muito escreveste
    uma e outra vez
    como uma tristeza demorada
    permanente...”
    Este trecho do teu poema, representa bem esta fase distópica que o Mundo vive.
    Abraços e cuide-se!!!

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  8. Parabéns!! Belíssimo poema, escreve muito bem 😊José

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