26 novembro, 2014

A Menina e a Árvore






- Mãe, por que caem as folhas?
- Por causa da menina.
- Qual menina?
- A menina que tinha uma árvore.
Nunca vos contei essa história?
-Não!









Houve um tempo em que as raízes eram as casas e havia mais raízes que prédios.
E havia mais árvores que homens e mais flores que alcatrão. E quando a manhã
chegava à hora de vir, trazia o canto dos pássaros e não as buzinas dos carros.
Numa noite clara, como esta, um vento antigo segredou-me ao ouvido, que
naquele tempo o ar era leve e as árvores ficavam grandes e fortes, muito mais
depressa que agora. E depois que vestiam o seu vestido verde de folhas,
jamais o despiam. Não sei se isto alguma vez foi verdade, mas foi assim que
aquele vento me disse, mesmo antes de sumir por entre as casas adormecidas.
Disse-me ainda que o "depressa" e o "devagar" não existiam. Ninguém contava
o tempo, nem havia relógios, nem horas. Tudo chegava quando chegava,
porque fazia falta que chegasse, nada nem ninguém tinha pressa e nunca havia
atrasos. Como o Sol e a Lua, que também nunca se atrasam e sempre chegam.

Foi nesse tempo, em que tudo era simples, que nasceu uma menina,
de pele morena e uns olhos muito verdes, como as folhas das árvores.
A menina foi crescendo e ao mesmo tempo que crescia a menina, uma árvore
também crescia. Todo o tempo que podia, a menina passava com a árvore.
E a árvore protegia a menina. Por  dentro, a menina amava a árvore 
e a árvore por dentro, amava a menina.
Assim começa a história:

Era uma vez uma menina que tinha uma árvore, não tinha um gato, nem um cão,
nem um pássaro. Tinha uma árvore! Ou talvez fosse a árvore que tinha a menina...
Brincavam ao "faz-de-conta-que-sou-uma-árvore". A Árvore brincava tão bem,
que a menina sempre perdia! Encostava-se de braços abertos ao seu tronco e
ficava quieta, como a árvore. As formigas subiam-lhe pelas pernas e faziam cócegas.
E a menina saltava e saltava e sacudia! Mas a árvore não. E a menina perdia.
A árvore nasceu a saber ser árvore e a menina a sonhar que o seria.

O tempo passava sem que ninguém o contasse e um dia a menina, deixou de ser
menina, nunca mais brincou ao "faz-de-conta-que-sou-uma-árvore"
e resolveu brincar a ser menina. Partiu para longe, muito muito longe! 
A  árvore, ao ver que a menina não chegava quando devia, entristeceu. 
A melancolia pintou-a de dourado. E subitamente, embaladas nos braços do vento,
uma a uma, todas as folhas caíram. Quando a primeira folha 
tocou o chão, o homem conheceu a tristeza, a nudez...a melancolia. 
E começou a contar o tempo. E inventou a palavra "saudade".
Foi então que todas as árvores se despiram.

Mas já foi há tanto tempo, mãe!
Porque caem ainda as folhas das árvores?



Porque os braços de uma árvore podem ser tão compridos, 
que quando abraçam, abraçam por dentro a alma do tempo. 
Apesar de não contarem minutos nem horas, todos os anos há uma altura
em que se despem, como se despiu a árvore da menina.  Sabes, só o homem 
conta o tempo e esquece. Esquece tudo. Esquece a alegria,
a tristeza. Esquece o amor, a melancolia. Esquece até o tempo, que conta.
Mas as árvores não.  As árvores não conhecem o esquecimento.
De quando a quando, há uma menina que nasce árvore, ou será uma árvore 
que nasce menina...
Brincam ao "faz-de-conta-que-sou-uma-árvore", com uns braços de amor,
que se estendem para além das distâncias, das ausências e do tempo.
E brincam tão bem, que não esquecem, nem são esquecidas. 
Nenhum amor é tão pleno, simples e verdadeiro, como este, com que nos toca.
Eu tenho uma Menina/árvore, ou será a Menina/árvore que me tem...
 e tu também tens uma, acredita. 

Sabes? 
Eu sei que não é por causa da menina que as folhas caem...
E também  sei de quem estás a falar!
E também sei quem é a minha...


Texto, Sónia M
(Contos para adormecer)

Desconheço a autoria da imagem...




2 comentários:

  1. Aos amigos deste espaço, peço desculpa.
    Pela altura da publicação deste conto, não reparei que a caixa de comentários estava fechada.
    Agradeço a quem me alertou.

    Um excelente domingo a todos.
    O meu abraço.

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  2. Adorei!!!
    Que docilidade!
    Que verdade!
    Que leveza!
    Eu, também guardo uma árvore bem dentro de mim, onde recorro por várias vezes a beber a sua seiva.

    UMA LINDA ÁRVORE PARA 2015

    http://diogo-mar.blogspot.com/

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