12 agosto, 2014

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Quase todas as casas tinham um quintal, com um tanque, onde as mulheres lavavam a roupa logo pela manhã. Com algumas árvores e uns quantos animais, que acabavam por ir a parar à mesa. Descobri isto da pior maneira. Quando percebi que o “fofo”, o coelho que eu às escondidas tirava da coelheira, para brincar no quintal, tinha sido o manjar servido num almoço de domingo. Foi um trauma. Um trauma, que o meu irmão mais velho, explorou ao máximo nos dias seguintes. Que alegre que ele andava com o meu desgosto.

- As patinhas fofas do fofo eram mesmo fofas, não eram, maninha?

As piadinhas sem graça pareciam não ter fim. Fazia-nos a vida negra às duas, a mim e à minha irmã, mas, na rua, era o nosso anjo da guarda: que ninguém nos tocasse!
Decidi que nunca mais daria nomes aos animais. O pior foi saber que a minha mãe me mentia, quando dizia que tinham fugido, quando na verdade, há muito que eu andava a comer os meus amigos de brincadeiras. Um trauma. Mas é assim. Acordar para a vida (dos adultos), é sempre um trauma.

Sónia M
(memórias de uma menina)

(Pintura de Donald Zolan)

19 comentários:

  1. Olá Sônia
    Imagino a decepção de uma criança ao descobrir que está se alimentando de seus bichinhos de estimação. Coitado do fofo! E esse irmãozinho 'gozador', hein? Os irmãos são sempre assim, adoram irritar e 'tirar sarro' das irmãs, mas ai de quem ouse fazer o mesmo, né? Eles as defendem com unhas e dentes.
    Adorei a leitura. As memórias de uma criança colecionam lembranças, ora tristes, ora divertidas.

    Beijo.

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    1. Vera, apesar do bichinho em questão não ser de estimação, era de facto muito estimado, por mim...
      Beijinhos.

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  2. Sónia: Lindo o teu texto e essas memórias de menina adorei ler.
    Beijos
    Santa Cruz

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  3. Também tenho um irmão e uma irmã, e o meu irmão era exactamente como o teu. Arreliava-nos por tudo e por nada, mas, sobretudo durante a adolescência, ai de quem se metesse connosco.
    Uma memória triste essa, mas desde que o teu irmão não tenha virado nenhum sádico na idade adulta, tudo bem.
    Crescer por vezes dói.
    xx

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    1. Laura, sou a mais nova dos três. Grande partes das arrelias sobravam sempre para mim.
      Felizmente, agora que somos todos adultos, somos bastante unidos...
      Crescer dói sempre.
      Beijinhos

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  4. Diz-se que as crianças são cruéis... Mas, isto é o pensamento dos adultos. Uma criança é SEMPRE inocente!

    BEIJO.

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  5. Oi Sónia,
    Que tristeza mesmo, comer os animaizinhos. Eu nunca tive essas tristezas, pois nunca comi carne.
    Beijos
    Lua Singular

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    1. Apesar do trauma inicial, nunca deixei de comer carne.
      Respeito quem o não faz.
      Beijo

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  6. Quando a minha sobrinha era bebé viu numa feira um senhor a vender patinhos acabados de nascer. Queria tanto um que eu lho comprei. Andava com ele no peito, dentro do vestido para que não morresse de frio.
    O patinho foi crescendo e andava a trás dela como se fora um cãozinho. tempos depois a minha cunhada fez um belo arroz de pato, pois andava chateada o pato andava atrás da menina e sujava tudo. Na hora que o pato foi para a mesa, a menina começou a lembrar do pato acabado de nascer, de todos os cuidados para que não morresse, das brincadeiras etc. Resumindo. Ninguém conseguiu comer o pato, que só não foi para o lixo porque o meu cunhado sabia onde costumava parar um sem-abrigo, e foi levar-lho. Daí que não me admire o seu sofrimento.
    Um abraço

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    1. Elvira, quanto ao coelho, não havia nada a fazer, pois já o tinha comido.
      Mas a sua memória, fez-me recordar uma outra, onde eu já não era tão criança assim.
      Um dos "animais de estimação" que tive, foi uma ovelha (imagine!), a Branquinha, que ajudei a nascer.
      Esta já posso dizer que escapou à mesa...e ninguém a comeu.

      Obrigada por partilhar a sua memória.
      Um abraço.

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  7. UFFFF, ESO DEBIÓ SER MUY TRAUMÁTICO!!!
    UN ABRAZO

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    1. É sempre traumático, quando nos apercebemos do real da vida...

      Otro abrazo, Reltih.

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  8. [ gostei de passear por tuas lembranças]

    beijo

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