05 março, 2014

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- Não, nada tem a ver com isso. Nem sei se o que te explico algum dia poderás entender. O que se passa é nada mais que uma questão de gosto. E o que eu gosto mesmo, é das paredes caiadas de branco, bicadas pelo sol. As ruas são como corredores iluminados, toda aquela luz chega a cegar-te. Sempre que as toco, há pássaros que me nascem dos dedos e correm a fazer ninho nas oliveiras. Sabes que ali os olhos não te fazem falta, mas o nariz sim. Imagina que és assaltado no caminho por uma vizinha da vizinha, que é amiga da vizinha da tua mãe. Agarra-se a ti como se não houvesse amanhã e diz-te - Ah gaiata, estás cá? Entra, entra, acabei de fazer uma açorda e o Ti Joquim está a pôr a mesa no quintal. - Mesmo de olhos fechados tu vais, porque o nariz te diz que deves ir. Não fazes ideia da festa que se consegue fazer com meio quilo de pão duro. Não é preciso muito nem pouco, aquele tudo é quanto basta. É como te digo, é uma questão de gosto. E a felicidade tem gostos simples.

Sónia M

(Imagem retirada da net)

13 comentários:

  1. Desta vez lembrei-me da minha passagem a pé, sem carteira e sem água, pelo Alentejo, numa das provas de sobrevivência que eram exigidas pelos fuzileiros, ao fim do primeiro dia já cansado e faminto, lembrei-me do que ouvia: Se algum dia bateres à porta de um alentejano, a primeira coisa que faz é fechar a gaveta da comida, como nunca acreditei nisso bati a uma porta, de pronto um homem de meia idade me convidou a entrar, levou-me para uma adega, onde comi pão, chouriço, queijo e bebi uns tintos, até chegar a Setúbal nunca mais tive fome e desminto quem me conta a história de fechar a gaveta!
    Um grande abraço a todos os alentejanos.

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  2. Sónia,
    O Alentejo deixou marcas profundas, esse peito continua a respirar aquele ar. E eu, confesso, gosto muito de sentir isso na sua escrita.

    Beijo :)

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    1. AC,

      Despir-me da memória,
      seria esquecer-me do que sou.
      Tenho a convicção da terra, da chuva, do ventre.
      Trago em mim a fala das pessoas da rua,
      o cheiro da casa aos domingos,
      com a mesa cheia de gente,
      e as dores, que doeram até aos ossos.
      Tudo isto faz parte do meu nome,
      que às vezes exibo, quase como uma bandeira.
      Mesmo que os ventos me soprem para lá do longe,
      nunca me perco, ou fico vazia,
      encontro sempre o caminho de volta.
      Sónia M

      Para quem não sabe o que é uma açorda, é basicamente água a ferver, que se deita por cima de alho pisado, coentros e azeite. Nessa mistura coloca-se ovo escalfado, ou bacalhau cozido desfiado e pão duro, cortado aos pedaços. Antigamente era comum no Alentejo, os homens e mulheres, antes de saírem de casa para o trabalho duro do campo, comerem uma açorda para aguentarem a dureza do dia.

      Obrigada a todos pelas vossas visitas e comentários.
      O meu abraço

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  3. Olá Sónia,

    Gostei muito de ler e sim, é verdade, "a felicidade tem gostos simples".

    Tenha um bom resto de semana :)

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  4. Só acredito num milagre: o milagre da capacidade de sobreviver...

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  5. Embora lá não viva, nasci no Alentejo, e como boa alentejana que sou entendo muito bem essa felicidade de gostos simples. Gosto muito de açorda! E é uma coisa que nunca falta nas minhas ementas de Inverno...:-)
    Muito bonito!
    xx

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  6. "...há pássaros que me nascem dos dedos e correm a fazer ninho nas oliveiras".

    Que escrito mais lindo *__*
    Muito bom conhecer seu blog!

    Beijos!

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  7. Oi Sónia,
    Todos passamos apertos na vida, muitas vezes ia dormir bem cedo, rezando para acordar só no amanhecer.
    Beijos
    Lua Singular

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  8. A felicidade se encontra
    na humildade!

    Estranho, não?

    Mas lindo o que escreveu!

    Maria Luísa - os7degraus -

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  9. Olá,Boa tarde,Sônia
    ...parabéns...
    eis que ficamos aqui parados, vislumbrando a luz que deixa aos poucos o horizonte e nos abandona aqui, no mesmo escuro silêncio , sem compreender...
    Na verdade eu compreendo, compreendo até demais que existem coisas que não podem ser como nós esperamos.Mas, que para ser feliz é preciso...não ter medo de nada, Nem de sorrir nem de chorar,de partir, ou voltar...nem de muito ou pouco...aquele tudo é quanto basta...simples gosto assim!
    Obrigado pelo carinho,belos dias, beijos!

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  10. Olá, Sónia.

    Fizeste jus ao nome de teu espaço, pois tua descrição soaram como sussurros do vento fazendo sentir a simplicidade em cada sopro.

    Meu abraço!

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  11. MUCHAS GRACIAS POR COMPARTIR ESTE TEXTO TAN SIGNIFICATIVO.
    BESOS

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  12. litania para as coisas simples, uma réstia de sol e tantos pequenos prazeres; haverá outra forma de se ser feliz?
    deixa-me dizer-te, sónia, que fui embalado pela luz das tuas palavras, essa rua de pedra sem geografia que a tantos de nós habita...

    beijinho grande!

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