21 novembro, 2013

Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua - Alberto Caeiro




Não tenho pressa: não a têm o sol e a lua.
Ninguém anda mais depressa do que as pernas que tem.
Se onde quero estar é longe, não estou lá num momento.

Sim: existo dentro do meu corpo.
Não trago o sol nem a lua na algibeira.
Não quero conquistar mundos porque dormi mal,
Nem almoçar o mundo por causa do estômago.
Indiferente?
Não: filho da terra, que se der um salto, está em falso,
Um momento no ar que não é para nós,
E só contente quando os pés lhe batem outra vez na terra,
Traz! na realidade que não falta!

Não tenho pressa. Pressa de quê?
Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.
Ter pressa é crer que a gente passe adiante das pernas,
Ou que, dando um pulo, salte por cima da sombra.
Não; não tenho pressa.
Se estendo o braço, chego exactamente aonde o meu braço chega -
Nem um centímetro mais longe.
Toco só aonde toco, não aonde penso.
Só me posso sentar aonde estou.
E isto faz rir como todas as verdades absolutamente verdadeiras,
Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,
E somos vadios do nosso corpo.
E estamos sempre fora dele porque estamos aqui.

Alberto Caeiro


Imagem, Ingrid Endel

6 comentários:

  1. Aberto Caeiro...privilégio ...logo pela manhã...obrigada Sónia! Não tenhamos pressa para não perder nada!
    Beijinhos
    Maria

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  2. Já dizia o pensador anónimo que "a pressa é inimiga da perfeição".

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  3. Só podemos ter a pressa das nossas pernas e há muito para ser saboreado. Gosto sempre de Alberto Caeiro

    Beijinho

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  4. Oi Sónia
    Lindo texto
    Temos que chegar até onde conseguimos, se tentarmos burlar nossas forças, machucaremos.
    Um beijo
    Lua Singular

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  5. Mas eu tenho. Pressa, porque a noite (que está sempre lá onde sabemos poder tocar-lhe com a mão) é tempo que foge.

    Beijo

    Laura

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