29 setembro, 2021

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Tenho demasiadas solidões 

para contar. Não sou bela, nem musa,

nem verdade inscrita na pedra.

Invisível ao caminho, sou semente que espera,

por uma lágrima da ave noturna para quem  à noite costumo cantar.


Às vezes queria dizer mais, muito mais. 

Mas aprendi a amortalhar tudo. 

Calar, segurar, ou deixar a meio, aquilo que chamas de escrita enigmática.  


Dou por mim a perguntar, 

não sei bem a quem, 

"e se eu não disser 

e tu souberes o que eu não digo?" 


Não sou de longe nem de perto. 

Nem do antes, nem do agora.  

Não me reconheço na idade que tenho.

Desconheço a antiguidade das almas.

De tudo o que vejo, do nada que sei,

em tudo o que me aperta e calo, 

é aí que me procuro.


Em tudo onde me achei, nunca coube.

Onde se espera que caiba, vivo perdida.

Nunca sei se devo encolher ou aceitar que sobro.


Se eu cortar os dedos a esta voz, 

que teima em escrever, talvez pare de sangrar.

Esperar que tudo se baste, sem nunca ser o bastante. 

Sem me saber na existência, nem tu saberes como existo.


©Sónia Micaelo


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Fotografia, Adri Luna

9 comentários:

  1. Amiga Sónia,
    No teu íntimo, sobre tuas experiências, a introspecção faz muitas perguntas, mas, também revela algumas repostas.
    Beijos e cuide-se!!!

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  2. Excelente poema. Obrigada pela partilha!:)
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    A ousadia dos sonhos...
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    Beijos, e uma excelente tarde!

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  3. Muito belo o teu poema Sónia!
    Nunca cortes os dedos da tua voz!...

    Um abraço.

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  4. E assim eu lírico semeia um rosto de palavras, inteiro, multiplicado, na outra margem do poema. O que ele queria dizer tão alto e tão longe... a mercê do não saber...
    Um abraço, Sónia!

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  5. Conhecendo grande parte da obra poética de Sónia Micaelo, e sendo um dos seus admiradores, estou em condições de poder afirmar que este é o seu melhor poema, É um poema de antologia, em que as emoções são levadas ao limite da sensibilidade do leitor.

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  6. Boa tarde Sónia,
    Um poema muito belo, num busca de si mesma.
    Gostei imenso.
    Um beijinho e bom fim de semana.
    Ailime

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  7. Que poema excelente! Emocionei-me de verdade.

    Abraço amigo.

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  8. Um poema que me deliciou, com discretas janelas a deixar pistas de desafio. Como esta, que me parece o cerne: "e se eu não disser / e tu souberes o que eu não digo?"
    Muito bem, Sónia!

    Um beijinho :)

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