01 outubro, 2020

O AR ENTRE AS COISAS


 






Cedo descobri:
 o ar que existe entre as coisas,
é o que realmente me fascina. 

Passo na rua sem ver a rua. 
Sei que caminho na rua, porque o ar, 
que existe entre a calçada e os meus sapatos, 
é frio, vazio... 

Eu respiro-o. E sei que vou na rua. 

Passo no jardim sem ver as flores. 
Mas sei que caminho no jardim. 
O ar que vai da flor à borboleta
é leve e morno, uma gentileza à sua breve vida. 

Respiro-o. E sei que caminho no jardim. 

A multidão é o que mais assusta. 
Passo sem ver as pessoas.
Evito tanto olhar para elas, 
que nunca chego a conhecê-las. 
Nunca sei se o nariz é grande, o cabelo é curto, 
ou se têm pés pequenos. 
Mas sei do ar que as toca sem que elas saibam. 
Respiro-o e quase sufoco. 
Quase grito, quase lume, quase dor, quase raiva!... 

Não vejo a multidão. 
Mas sei que caminho entre ela e afasto-me. 

Amo a solidão. 
A solidão do ar que existe entre as coisas. 
Uma espécie de poema, 
que depois que se respira, já não te larga. 

Não importa por onde passe, 
vou sempre só. 

A verdade é que 
sempre me bastou o deslumbre 
do ar do caminho. 
Sem pensar, ou sem saber que, um dia, 
isso me levaria a chegar a alguma parte.

Passo por ti sem te ver,
mas sei que por ti passo.
O ar que vai da minha boca à tua 
tem a demência do beijo. 

Respiro-o. Uma loucura qualquer que se abraça 
e me pede para abrir os olhos. 



 ©Sónia Micaelo 





📸©Nuno Clavinas 

2 comentários:

  1. SÔNIA,

    MEU BLOG ESPANTA DESGRAÇAS!!!
    APROVEITE.
    MUSICA É FELICIDADE.O FINO
    DA BOA MUSICA.FAÇA A SUAGESTÃO DA MUSICA QUE VOCÊ QUISER E COLOCAREMOS LÁ TAMBÉM.
    PASSE POR LÁ E XÔ MESMICE TENEBROSA.
    UM ABRAÇÃO CARIOCA.

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  2. Quanta sensibilidade! O ar como perfeita comunicação e entendimento. Um respirar que afasta o negativo e que distingue, sem qualquer dúvida, um precioso encontro. Já não é mais caminho, mas chegada. Amei! Bjs.

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