26 março, 2014

Será que as paredes também choram?

Eram quase oito da noite e as temperaturas ainda rondavam os 40°C. 
O céu tinha o azul da manhã e o sol queimava na pele como se fosse meio dia. Mas o Alentejo é assim no verão, talvez seja isso que faz a vida ali parecer mais lenta. Cerca de um quilómetro antes de entrar nas muralhas da cidade, decidimos à ultima da hora visitar um local, que apesar daquela ser a "nossa" cidade, jamais havíamos pisado. Subimos por uma estrada estreita, ao chegar ao fim da estrada a vista que tínhamos era fantástica. Dava a sensação que dali se podia ver o mundo inteiro. Não trazíamos connosco nenhuma máquina fotográfica, mas a necessidade de gravar o que víamos em mais algum lugar, que não fosse apenas a memória, fez-nos usar os telemóveis. Apesar da qualidade das imagens não ser a melhor, hoje quero partilhá-las convosco. 

Podíamos ver nitidamente alguns bairros periféricos à cidade, o castelo, e, no centro desta primeira foto, aquele que é considerado o maior aqueduto da península Ibérica, o Aqueduto da Amoreira. Tem 8,5 quilómetros de extensão, 843 arcos com mais de 5 arcadas e torres que se elevam a 31 metros de altura. Foi construído com o intuito de trazer a água desde os arrabaldes, no local da Amoreira, até ao centro da cidade. Uma vez que o poço que abastecia a cidade, desde a época da ocupação árabe, se tornou insuficiente, devido ao aumento da população. Foi em 1537 que João III de Portugal, designou o arquitecto Francisco de Arruda para executar o projecto, mas só em 1620, correram pelo aqueduto, as primeiras águas dentro dos muros da cidade. O Aqueduto da Amoreira, está classificado como Monumento Nacional desde 1910. E  integra o sítio denominado Cidade Fronteiriça e de Guarnição de Elvas e as suas Fortificações, classificado pela UNESCO como Património Mundial desde 2012.


Pisamos agora, um dos pontos mais altos da região, sendo portanto, um local de grande importância estratégica. Estamos às portas do Forte de Nossa Senhora da Graça (Alentejo, Elvas, Portugal).


Como se pode ver, as portas estão abertas. E qualquer um se pode passear, por este local carregado de História. Foi daqui que o exército espanhol atacou severamente a cidade durante o cerco de Elvas (1658-1659), na Guerra da Restauração, quando na altura o único que aqui havia era uma capela em homenagem à Nossa Senhora da Graça. Situação que se repete em 1762, durante a Guerra dos Sete Anos, quando Elvas foi novamente sitiada. É então que D. José I, determina que seja aqui construída uma fortaleza que permita completar o circuito defensivo da cidade, encarregando o Marechal Wilhelm von Schaumburg-Lippe (nome pelo qual ficou durante muito tempo conhecido - Forte de Lippe)  do seu planeamento e da defesa do reino. Terão trabalhado na construção deste forte, entre 1763 e 1792 (ano em que ficou concluído),  3 a 4 mil homens.  O forte resistiu ao ataque das tropas espanholas durante a Guerra das Laranjas (1801) e ao bombardeamento infligido pelas tropas francesas do general Soult, Guerra Peninsular (1811). No passado foi usado pelo exército português como prisão militar. Recentemente conheci um senhor,  aqui nas ruas de Antuérpia, que nele cumpriu a sua pena, partilhando comigo algumas memórias mais caricatas que tem do local. O mundo é pequeno...

O Forte de Nossa Senhora da Graça integra o sítio denominado Cidade Fronteiriça e de Guarnição de Elvas e as suas Fortificações, classificado pela UNESCO como Património Mundial desde 2012.
                                                     





O interior é um labirinto, uma verdadeira obra prima da arquitectura militar europeia do século XVIII, infelizmente as imagens mostram bem as condições em que se encontra, muito próximo da ruína...

E eu, que já sei do abandono às pessoas e lhe conheço as lágrimas, no fim da visita não deixava de me perguntar - Será que as paredes também choram?














"Não há conquistas ou ambições a satisfazer, mas há o grande dever de conservar o que nos resta da herança do mar."





"A Pátria é uma herança sagrada que devemos transmitir intacta aos nossos descendentes."









Nota:
À data desta publicação, consegui apurar junto a um funcionário da Câmara Municipal de Elvas, que a Câmara adquiriu os prédios militares da cidade e que neste momento, se encontra a decorrer um concurso, para adjudicação da empreitada para a obra de recuperação.

Mas a vida no Alentejo, tal como acima mencionei, corre, corre e corre, a passo de tartaruga...

Sónia M

14 comentários:

  1. Lindas fotos Sónia,você tem bom gosto.
    Eu acho que as paredes também choram,quando destruídas.
    Bjs e obrigada pela visita e comentário.
    Carmen Lúcia.

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  2. Em qualquer lugar existem grandes marcas, lindo.
    Beijo Lisette.

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  3. Lógico que as paredes choram e chora para derramarem as lágrimas de tristeza por esta humanidade irresponsável que b ombardeou na guerra a Biblioteca da Babilônia, destruiu o Palácio Monroe aqui no RJ,...

    Bem vou parar por aqui, afinal, o homem destrói tanto que parece contentar-se em admirar, somente os destroços.

    Feliz Dia do amigo virtual ,e confeso que tenho sentido sua falta nos meu blogues.

    Será que são tão ruins assim?(rs)

    Um abração carioca.

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  4. Magnífica partilha...sobre recuperação de monumentos não me pronuncio estou demasiado dentro do meio profissionalmente para o fazer e muito teria a dizer...fico-me pela constatação do que já sabia quem tem o dom da escrita maravilhosos poemas, fabulosos relatos, perfeitas descrições ou exímios relatórios...Parabéns pelo post amiga muito querida e que muito admiro!
    Beijinhos
    Maria

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  5. Oi Sónia.
    Eu acho que as paredes choram seus mortos, pois a casa dos meus pais falecidos estava alugada, hoje o inquilino saiu. Fui lá, sozinha, debulhei lágrimas de saudades. Coloquei as mãos em tudo e esse tudo parecia um lamento.
    (Obrigada pela preocupação, nada grave, também 66 anos, tem que ter alguma coisa, né?)rsrs.
    Beijos
    Lua Singular

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  6. Minha querida, acho que realmente as paredes choram quando não são admiradas ou vandalizadas, mas sorriem quando alguém como a minha amiga as dignificam relembrando as suas memórias e atribuindo-lhes a verdadeira importância, pena é que quem de direito tenha deixado uma relíquia como essa chegar ao esta de degradação por falta de vigilância. Adorei seu texto como sempre e suas fotos que dão a conhecer a muitas pessoas que desconheciam esta maravilha que é a Cidade de Elvas com todos os seus monumentos tão lindos e variados. Mil beijinhos e mais uma vez muitos parabéns por tudo o que nos oferece de sua arte de imagens e palavras.

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  7. Quanta riqueza, neste belo patrimônio histórico. Como no Brasil, as providências para se recuperar uma edificação histórica correm em passos lentos, num total descaso. Foi muito bom ter vindo aqui, depois de longa ausência.
    Um abraço, Sônia,
    da Lúcia

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  8. Um excelente post, para mim como alentejana, e por gostar muito de História.
    Tenho muita pena que em Portugal nunca se tivesse dado grande importância a um património edificado que é tão rico. Rara é a vila ou cidade que não tem um edifício histórico a cair...
    O meu irmão fez tropa em Elvas, há muitos, muitos anos atrás...;-)
    xx

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  9. Elvas, pagando a factura da sua condição de porta fronteiriça, encerra na sua memória a angústia de milhentos disparos. Uma memória a preservar, custe o que custar.
    Obrigado pela visita, Sónia!

    Beijo :)

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  10. Olá Sónia!
    Uma bela partilha! Uma reportagem muito completa dessa zona fronteiriça. Tenho imensa pena do desleixo dos nossos governantes em relação ao património... infelizmente há por este Portugal muitas paredes que choram! Um abraço amigo.

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  11. Olá Sónia, as paredes também choram sim!
    E Elvas, uma cidade que conheci na infância e à qual voltei quase 50 anos depois, surpreendeu-me, mas ao mesmo tempo senti o que a Sónia de forma sublime aqui deixa expresso na sua excelente reportagem. Um beijinho e muito obrigada por ajudar a que as memorias não se desmoronem no tempo. Ailime

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  12. Walls never cry !!
    Super shot's...
    Abraço

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