17 julho, 2012

Sonho desfeito - Etelvina Adolfo Martins


Foi há sessenta anos, mas lembro-me como se fosse hoje. 
Naquele tempo o sábado era dia de banho por isso depois de brincar um pouco sentada na soleira da porta, a madrinha com a sua voz austera chamava-me do alto das escadas - menina venha tomar banho! Coisa que não me agradava nada pois eu tinha o cabelo longo aos canudos e já sabia que ia chorar para que me lavassem a cabeça e me penteassem,  para de seguida voltar a fazer os caracóis um a um com fitinhas que ficariam assim até ao dia seguinte o que era muito incomodo durante a noite.

Conseguiam convencer-me prometendo que ficaria o resto da tarde a brincar com o meu brinquedo preferido que era um boneco de nome Pedrinho. 

Tinha o meu tamanho e vestia as minhas roupas antigas.
 Assim quando acabava a tortura era uma alegria, vestia, despia, dobrava e desdobrava pernas e braços conversando e ralhando como faziam comigo, ou seja, que tinha que tomar banho, senão o pai natal não descia na chaminé! 

Em seguida sentei-o na banheira, porém de novo se fez ouvir a voz da madrinha: menina venha lanchar! Ao que eu obedecia cegamente, pois adorava os biscoitos da senhora Adélia que era a cozinheira da madrinha e me deixava molhar os biscoitos no leite adoçado com mel.
Até me esqueci do tempo e quando voltei de novo ao quarto de banho para continuar as brincadeiras com o Pedrinho vi que ele não estava lá e fiquei tão aflita que corri casa fora,
 - O Pedrinho fugiu! O Pedrinho fugiu do banho mas eu não lhe lavei a cabeça! 
Foi então que a madrinha e a senhora Adélia se começaram a rir e eu cada vez mais aflita perguntei - para onde foi ele? A madrinha então explicou-me - ele não foi a lado nenhum, acontece que era de papelão e desfez-se na água por isso é que a água está escura, agora já não há Pedrinho, morreu afogado e não chore se não ainda fica de castigo.

Elas não sabiam a tristeza que eu tinha dentro de mim, aquele boneco era bem mais do que isso para mim, era o irmão o pai e a mãe que eu não tinha, era a única coisa que eu chamava de todos quando brincava, era como se me tirassem de uma só vez a família toda e até hoje não esqueço aquele triste dia da minha infância.

Foi realmente um sonho desfeito... um sonho de papelão.


Fevereiro 2011
Vinadolfo
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De repente, como saídas do nada, encontramos pessoas assim. 
Deixamos de falar com os dedos, que se passeiam pelo teclado do computador 
e passamos a falar com o coração! 
Do outro lado do ecrã, existe uma pessoa de carne e osso, às vezes, são pessoas tão grandes, em tudo, que nos apetece partilhá-las com o mundo inteiro!
Encontrei esta Senhora numa outra rede social, há uns dois anos atrás.
Entre brincadeiras e partilhas, nasceu uma grande amizade. 
Tenham cuidado, é tão doce, meiga, verdadeira que contagia qualquer um.
Apesar de nunca termos estado frente a frente, abraça-me todos os dias e...suponho que seja essa presença que sempre me faz sentir, que eu hoje pretendo enaltecer e homenagear.
Obrigada Etelvina. 
Este ano, não pretendo partir, sem antes gravar na minha pele... o seu abraço.

(Publicado na página de Facebook de Maria João correia, outra das pessoas de carne e osso, que por aqui encontrei...mas essa é outra história, para contar mais tarde!)


23 comentários:

  1. Que linda história de amor Sónia!
    Vieram-me as lágrimas aos olhos, também não vou esquecer essa sua maravilhosa amiga Etelvina, porque foi através dela, que fui à Antuérpia, encontrá-la a si, são amigas virtuais, mas que me parecem excecionais, gostaria de continuar a contar com a vossa amizade!
    O meu abraço

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    1. A Etelvina é daquelas pessoas tão lindas, que é impossível não gostar dela! E realmente através dela, encontrei outras pessoas igualmente excecionais, como o António!
      Um abraço

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  2. Olá!Boa tarde!
    Amiga , Sonia!
    ...linda e emocionante história...e a música de "fundo" ajudou na emoção..
    ...por isso, quando dizem, em clichês básicos, que a Internet é a Rede Mundial de Computadores/Comunicações, eu fico muito "chateado", porque na realidade, é a Rede Mundial de "PESSOAS DE CARNE E OSSO", que acessam Computadores... alguns sustentam que a amizade virtual é mais fácil e que nele as pessoas se sentem mais à vontade para compartilhar fatos e emoções que dificilmente exporiam a pessoas “reais”...eu particularmente,depois de muito refletir sobre isso, penso que a amizade, o amor, a afinidade que sentimos em relação à outra pessoa é real, ela existe. Ocupa um lugar no nosso coração e na nossa cabeça.Todas as pessoas que venho encontrando pela internet e que realmente se tornam minhas amigas – ainda que nunca tenhamos nos visto – são reais para mim. Existem no meu coração. Eu rio com elas. Aprendo com elas. Sinto falta.Erros e acertos, nas escolhas, acontecem tanto no real como no virtual...
    Obrigado pelo carinho de sempre!
    Boa terça feira!
    Beijos

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    1. Sim Felisberto, o Amor é algo que não se vê, apenas se sente!

      Obrigada pela visita e carinho de sempre.
      Beijo

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  3. Hola Sónia,
    hermoso relato el de la señora, realmente impactante por la historia en si, y como queda en la retina ciertos momentos de nuestra infancia.

    Y con respecto a tu comentario, es verdad, muchos llenamos nuestros vacios a travez de una pantalla, "lo bueno es que del otro lado hay gente de carne y hueso también"

    muchos besitos para tí..
    bonita noche

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  4. Oi Sonia,
    Uma bela historia.
    É tão gratificante quando encontramos
    pessoas que nos passa através dos teclados
    sentimentos do coração e da alma. É como se
    alegrasse nosso dia. Isso é uma dadiva.
    Muito legal voce divulgar essas historias
    e essas pessoas.
    Beijos com carinho

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  5. Nossa me emocionei com a história, triste, nostalgica, mas muito sensível, vou ver se conheço esta senhora, gente que é gente é difícil de se achar, raridade, beijos Luconi

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  6. Este belíssimo texto de Etelvina Adolfo Martins poderia ser considerado como uma história exemplar, na medida em que descreve um caso de uma criança particular, cujo sonho foi desfeito pela realidade físca da interacão da água com o papelão e pela perversidade (talvez até por uma certa crueldade psicolóogica) de uma madrinha austera e da sua cozinheira, que não souberam, por desamor ou por ignorância, avaliar a importância que o Pedrito, aquele boneco de papelão, tinha para aquela criança de pais ausentes.
    Mas eu prefiro catalogar o texto ao nível da alegoria, transpondo o significado linear da história para patamares superiores, que será esse, talvez, o objetivo último da autora, que assim, de uma forma magistral denuncia a cultura retrógrda, ainda persistente em muitas esferas da sociedade, de não atribuirem importância à ludicidade no desenvolvimento harmonioso das crianças. Em tempos pouco recuados, exigia-se às crianças que assumissem, desde muito cedo, comportamentos de adultos e não se valorizavam, ao nível pedagógico, os espaços lúdicos, como espaços de aprendizagem, incluindo o espaço familiar. Mas a autora, através da simplicidade e da originalidade da história, também poderia ter pretendido transmitir ao leitor, de uma forma subliminar, a grande fragiliddade dos sonhos, o das crianças e os dos adultos, que, se forem demasiadamente fantasiosos, esboroam-se como o papelão de que era feito o Pedrito.
    Seja qual for a abordagem semântica a que se proceda, o que é certo é que estamos perante uma peça de elevado valor literário, que surpreende qualquer leitor, mesmo o mais distraído. Trata-se de um texto (um conto) que vem ao encontro da elevada qualidade que a Sónia tem vindo a imprimir ao seu blogue com os seus poemas.

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    1. Alexandre:
      Muito obrigada por este seu comentário, tenho a certeza que a minha amiga Etelvina vai gostar muito de o ler.
      Eram outros tempo e realmente passava-se assim e também há sonhos que se desfazem na água, como o Pedrito!
      Mas não há que esquecer, que nenhum sonho é "demasiadamente fantasioso". Um dia o homem sonhou com voar e voou!
      Sonhou em ir à lua e foi!Foram tantos os sonhos fantasiosos que o homem teve ao longo da sua História, que olhando para ela, acho que tudo começa com um sonho! :)

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  7. Sempre emocionante esta partilha de sentimentos, fiquei fascinada com a historia.

    Um grande beijinho
    cvb

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    1. É uma história realmente fascinante!
      Obrigada Cecilia!
      Muitos beijinhos :)

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  8. Muito belo minha amiga,,,infelizmente na vida muitas coisas se vão sem a gente poder aproveitar bastante,,,sem podermos deixar aquele abraço na alma....beijos de bom dia pra ti.

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  9. Quem não gosta de computadores ou de redes sociais acha que quando ficamos a teclar é somente para passar o tempo. Enganam-se elas. Eu encontrei pessoas maravilhosas e sensíveis e que contagiam a quem quer que seja. Ás vêzes é muito mais fácil para nós escrevermos do que falarmos, colocando neste mundo virtual o que sentimos, o que fazemos, sonhos e angústias, tristezas e alegrias, pois sabemos que ali estará um amigo que nunca te cobrará nada, pelo contrário. Claro que, precisamos escolher essas amizades, como tudo na vida real. Saber desfrutar dessas amizades é um privilégio pois nos amparam e alegram...e muito. Quanto a história achei linda, muito comovente e marcante para uma criança. Bela pessoa a Etelvina, um coração grande. Beijos à ela e a tí também.

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  10. Olá amiga,
    Uma história deliciosa, magistralmente contada!
    E a Net tem este fascínio de nos deixar encontrar com pessoas únicas.
    Grata por partilhar.
    Bjs
    Ailime

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  11. Achei seu blog na blogosfera.
    E adoreii!

    Já estou te seguindo..
    Me visite tbm
    http://lidiepaulo.blogspot.com.br

    Beijocas
    Ótima Semana \º/

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  12. Sessenta anos passados
    Como se fosse hoje, se lembra
    Velhos tempos recordados
    Com certeza que valeu a pena!

    Boa quinta-feira,
    um beijo
    Eduardo,

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  13. .


    Muita gente disse coisas diferentes
    a respeito do meu texto, mas preci-
    sou que você, exatamente você, vies-
    se para abrir a feriada e olhar den-
    tro, bem no fundo da minha alma, que
    talvez agonize, pela falta ou pelo
    excesso de palavras.

    Um beijo do, já, seu amigo,

    silvioafonso







    .

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  14. Adoro relatos do passado que ainda vive no presente, mesmo que em memória. A amizade é a família que Deus permitiu que escolhêssemos.

    Belíssimo texto e homenagem, Flor, parabéns..

    Beijos.

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