10 julho, 2022

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Ao domingo a palavra sobra-me.

Ao domingo a palavra falta-me.

O domingo foi sempre um barco parado, 

sem rumo, bem no centro da minha existência. 

Um vazio que nasce quando o dia acorda mudo, 

sem que nada o preencha ou o afaste.


Ao domingo disfarço o silêncio 

com um sorriso oco - que todos devemos sorrir 

e ser felizes sempre; 

e bonitos; e sábios; e capazes! 

E todos são tudo isso e sempre mais. 

Agora eu? Eu não gosto do domingo. 

A não ser quando a voz da minha mãe 

galga a distância, que vai do agora 

à hora da missa, ralhando

que vou chegar atrasada. Ouço-a 

como se me gritasse de uma das margens.

E eu num barco parado 

bem no centro da minha existência.  


Não ouço os sinos, nem a reza, 

ou o amém, mas distingo o deslumbre 

daquela primeiríssima palavra que ouvi ao padre 

e corri ao dicionário para saber se existia, 

passando a usá-la até à exaustão - blasfémia!


A palavra sobra-me ao domingo.

O domingo é a blasfémia

 - não fosse a voz da minha mãe ... - ou 

eu sou a blasfémia do domingo. 


©Sónia Micaelo



2 comentários:

  1. Poema domingueiro lindíssimo de ler.
    .
    Cumprimentos. Um feliz domingo.
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    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  2. Antes que os dedos o afastem
    sempre se encontram.
    Lâmina sobre a pele fina
    E o tempo passa mais lento.

    Gosto de ler-te Sónia!

    Gosto de ler-te, Sónia!

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