26 maio, 2022

A SAIA DOS POETAS





Os poetas usam saia.
Sejam mulheres, cachopas, gaiatas, miúdas...usam saia. 
Curta ou comprida. Usam saia. 
Homem, rapaz, badameco, um fedelho - usam saia. 
Parvo, sacana, ou a puta do bairro. Usam todos saia. 
A saia é o véu - onde escondem a ignorância 
com que o mundo os olha. 
A saia é o abismo - onde escondem a arrogância 
de se acharem imortais.

Imorais, os poetas usam saia. 
Tudo se esconde por debaixo daquela saia.
E a saia é o manto que os torna invisíveis 
a qualquer veredicto. 
A saia sacode o poema , onde se estendem já mortos, 
sem que ninguém diga " aqui jaz o poeta". 
Sem que ninguém se ajoelhe, ou de ternura tombe, 
ou de saudade chore! 
A saia cobre o sexo do poeta, sempre virgem. 
Onde todas as noites, pela primeira vez
 - uma vez e outra, outra vez e mais uma, há um verbo que o viola.
Violentamente! Em cada palavra, cada vírgula, em todo o poema 
- ali sangra, debaixo da saia. Uma vez e todas. 
 Sangra. E sangra...E ninguém vê. 

©Sónia Micaelo 


3 comentários:

  1. Bom dia:- Não sei se sou poeta. Mas sei que uso calças. Ponto.
    .
    Saudações cordiais
    .
    Pensamentos e Devaneios Poéticos
    .

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  2. Boa tarde Sónia,
    Que poema tão belo, tão diferente, mas que me deixou fascinada pela sua tão elevada inspiração! Um poema de excelência.
    Os meus Parabéns!
    Beijinhos,
    Ailime

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  3. A palavra captura o que da saia não se vê e impregna o espírito de realização e consagra-se na manifestação plena da poesia, que latente a habita.
    E a beleza do seu poema fica também consagrada, Sónia!

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