No virar da página a paisagem é a mesma:
as casas do outro lado da rua, as árvores, as pedras da calçada, os candeeiros que acendem e apagam sempre à mesma hora.
Tirando um ou outro detalhe - como o das cortinas da minha vizinha - só as nuvens mudam de sítio.
A minha vizinha da frente comprou umas cortinas novas, de um branco transparente e uns pequenos pássaros bordados, também a branco, na bainha.
Quando a janela está aberta o vento puxa a cortina e, num quase bailado, elegante e feliz, ensina os pássaros a voar. Juro que sim.
Nesses dias abro também a minha janela e observo detalhadamente
cada movimento . Às vezes a vizinha vem,
puxa a cortina e fecha a janela. Não sem antes me lançar um olhar de desprezo. E
eu fico mais um pouco a sentir o vento e o absurdo desejo de ser cortina por um
minuto.
E de minuto em minuto vamos gastando a página, os dias, as semanas, os meses, o ano. Querendo mudar a paisagem, alterar todo o cenário. Mudar muito mais que um sofá ou umas cortinas. Queremos abrir janelas em lugares sem luz, construir novos caminhos que nos permitam atravessar ou contornar obstáculos, passar por cima de tudo o que nos oprime.
Tudo isto requer uma força e uma coragem que nem
sempre sabemos ter.
E resistimos.
Resistimos à maldade, à inveja, à tristeza, ao desespero, à saudade; à falta que nos faz quem perdemos; ao medo de perder quem queremos; a uma pandemia que ninguém entende
- Inconscientemente
resistimos até ao amor - resistimos e
resistimos.
Mesmo quando as coisas más nos chegam aos pares - e elas
sempre nos chegam aos pares! - resistimos.
Tantas são as batalhas que ganhamos… e perdemos. Em silêncio.
Batalhas que travamos, sabendo que há guerras em que resistir é a única vitória.
Para esta primeira semana do ano, só uma palavra me ocorre:
– RESISTIR.
Cheguei até a sussurrá-la enquanto bordava, com a mente, pássaros
dançarinos, nas cortinas novas da vizinha.
Sónia Micaelo
(Texto e imagem)
Tanto a imagem como o texto são belíssimos! Obrigada:))
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O Pôr do sol na mais pura sedução
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Beijos. Bom fim de semana
Escrever é uma forma de resistência, sobretudo, quando se borda um texto tão límpido e vigoroso!
ResponderEliminarUm abraço, Sónia!
ResponderEliminarAo ler este texto forte e tão transparente, eu,que já quase desisti,apeteceu-me resistir.
Benm haja! Um abraço amigo
belas palavras de alento. parabéns
ResponderEliminarQue belo caminho me trouxe a este lugar de palavras inspiradoras.
ResponderEliminarResistir até que a resiliência seja verbo.
Parabéns pelo espaço tão agradavelmente preenchido.
Obrigado
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