13 maio, 2014

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Quando cheguei estava escuro. Sombras de sombras.
Olhei a rua com as cores que ainda trazia nos olhos.
Fiquei sentada à janela, a entreter a noite com histórias
de um lugar que ninguém conhecia, 

enquanto pintava alamedas e vales por entre o betão.

Desconhecia o paradeiro das aves, e, os olhos, 
habituados a reconhecer o cheiro das coisas, não dormiam. 
Pousavam aqui e acolá, em constante movimento.
Inventavam o branco das paredes, o vermelho dos telhados, 
o cheiro dos campos, o azul de um céu que julgavam infinito. 
Como se vissem, por entre a penumbra, o que lá não estava.

A noite entrava em trabalho de parto. Pariu uma dor pequenina, 
sem braços, que lhe apertava todo o corpo. 
Pensou-lhe um nome às pressas e verteu-o na claridade, 
para que crescesse no dia. Era húmido, em menos 
de nada alagou as entranhas da rua.
Neguei-me a repeti-lo e a noite inscreveu-mo no peito.

Vi como a manhã, mordendo os calcanhares da ausência,
chegou à janela com aquela filha nos braços.
E eu sei, que foram muitos os que assistiram ao parto. E que tal como eu,
desde que lhe conhecem o rosto, adormecem com o seu nome nos olhos...

Sónia M
(Abril 2008)

Pintura, 
"Skyline with lady in green",  Oil on canvas.(fragment), by Willy.
 Crealinelijnen

31 comentários:

  1. Bem reflexivo amiga Sónia.
    Gostei muito.
    Bjs-Carmen Lúcia.

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  2. Cheguei, vi o branco das paredes, o vermelho dos telhados, fechei os olhos, não adormeci, mas vi o meu lindo Portugal!!!
    De cá para lá, vai o meu abraço.

    Ps: Tenho uma surpresa no "Figueira Minha"! Também para a amiga Sónia.

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  3. Nossa Sónia,
    Você escreve com uma peculiaridade imaculada.
    Enrola palavras aqui, beija outras ali e sai essa maravilha de se ler.
    Você é brilhante. Adoro lê-la.
    Feliz todos os dias das mães, nós somos privilegiadas, pois todos os dias são nossos: maeeeeeeeeeê!!
    Beijos
    Lua Singular

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  4. Magistral...
    has pintado con sentimientos la pintura de "dar vida"

    Te deseo un hermoso miércoles en familia
    un beso

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  5. Gosto de ler-te! Tens muita magia =)

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  6. Ah! Eu conheço essa tela!!...Uma bela escolha essa "Skyline with lady in green" do Willy, um excelente pintor!
    Quanto ao poema, é de uma riqueza de conteúdo e de forma que me deixou de queixo caído, a ler e a reler. E só posso dizer que é um grande privilégio ler o que escreves.
    Um poema primoroso.
    xx

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  7. It is a gift ,playing with words, so you can feel the rain, filled with human emotions !!!
    Thanks a lot, to use, my same way painting !
    XX

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    Respostas
    1. When I saw this fragment of the painting, I remembered this "whisper", who was lost in a drawer around here. Thanks for letting me use it, Willy. Kiss.

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  8. Olá! Que maravilha de texto, um lindo poema! abração

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  9. Belíssimo, Sônia.
    Final marcante: "...E que tal como eu, desde que lhe conhecem o rosto, adormecem com o seu nome nos olhos..."
    Ótima escolha da tela. Bela obra.

    O blog ficou ótimo. Bem clean.

    Beijo.

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  10. O teu Poema deixa, no seu caminho, as pègadas indelevelmente marcadas.
    Ficou completo. Divino.


    Beijos


    SOL

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  11. Quando chegamos a um lugar novo, há tanto por reaprender, que é como se fôssemos criança novamente.

    Sempre belo, Sonia.

    Beijo.

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  12. acho que entendi essa dor e esse parto.

    de 2008 e com a mesma mestria de sempre.

    escreves muito bem!

    :)

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    1. Acho que a Piedade também lhe assistiu ao parto...
      e conhece o nome da "menina"...


      Obrigada a todos pelas vossas visitas e comentários.
      Deixo um abraço.

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  13. um parto solitário!

    belíssimo o poema.

    beijo

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  14. Tudo tão lindo, poesia e novo visual.
    Beijos amiga!!

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  15. Muy bonito texto y blog. Besos desde http://creiamosqueestabamoscuerdos.blogspot.com.es/

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  16. Olá, Sônia,
    "Skyline with lady in green" do Willy...muito lindo!
    ...num lugar novo parece que "tudo está se fazendo novo" ...porém, penso, nós é que somos os renascidos, independente dos lugares ...
    Vim agradecer pelo carinho de sempre, muito obrigado,belos dias, beijos!.

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  17. Quando aqui entrei pensei que me tinha enganado no blogue. Pintou a casa e mudou a mobília, fez muito bem, está com um ar 'clean' e vai ao encontro da tranquilidade que por aqui habita. Boas energias, portanto.

    Roubei este bocadinho do poema e colei no meu comentário porque me tocou:
    "A noite entrava em trabalho de parto. Pariu uma dor pequenina,
    sem braços, que lhe apertava todo o corpo.
    Pensou-lhe um nome às pressas e verteu-o na claridade,
    para que crescesse no dia. Era húmido, em menos
    de nada alagou as entranhas da rua.
    Neguei-me a repeti-lo e a noite inscreveu-mo no peito."

    Beijinho, Sónia. Um óptimo fim-de-semana :)

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  18. este olhar a rua com as cores que ainda habitavam os olhos num encontro silencioso, quase secreto com o pequeno milagre da vida... que é dar vida: uma verdadeira preciosidade de escrita que torna 2008 apenas todo o tempo na sua própria intemporalidade.
    admirável o teu dom de escrita, sónia. beijinho grande!

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  19. Simplesmente fantástico, beijo Lisette.

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  20. A beleza como colocou a sua reflexão foi espetacular, e quanto ao conteúdo muito belo por sinal, amei poetisa, beijos e parabéns!!!

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  21. Essa parte de ficar sentada a noite e se entreter com histórias...me lembra de eu mesma.
    Desse hábito. Gosto disso.
    Lindo poema e a pintura.
    obrigada pela visita no cérebroquepulsa.
    abraços
    janicce.

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  22. Creio que esta é a minha 1 ª visita a este blog.
    Gostei do que li.
    Saudações poéticas!

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  23. A vida é uma corrente de ar soprada por Deus....

    Quero ver-te renascida sempre!


    Beijo

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  24. Belíssimo! A poesia é sempre um alento as nossas almas! Aproveito para convidá-la a acompanhar o blog Cérebro Que Pulsa, onde eu e minha esposa procuramos expor um pouco de nossas idéias. Quanto a mim, não tenho a veia poética, mas acho poesia uma das maravilhas do mundo.
    Abraço,
    Rafael

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  25. Estarei definitivamente neste link, se desejar me visite

    www.euflordealfazema.com

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  26. Finalmente as coisas começam a normalizar ainda que lentamente. Obrigado, Sónia!

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  27. Boa tarde Sónia, que belíssimo poema!
    Um poema que me parece falar da dor que se instala na distancia de quem está longe de tudo aquilo que ma!
    E as lágrima furtivas que deslizando no rosto, doem, doem, doem!
    Lágrimas que atravessam fronteiras!
    Um beijinho,Ailime

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