05 novembro, 2013

Metades de um todo



É como se precisasse beber toda a chuva,
para acender a claridade dos ombros.
Apagar estrelas com os pés descalços, para
acordar o fogo adormecido.

Os sonhos enchem os espaços vazios, entre
as nuvens das palavras. Morre um, chora a nuvem.
Na extremidade do que morre nasce outro e a dispersa.
Preciso do que morre, para regar o que nasce.

Por mais que me vista de metade, não é mais que
um disfarce a cobrir um corpo inteiro.
Como podia eu ser a metade de outro, se eu própria
já sou duas? Que metade lhe daria?

Sou saudade, do que já foi: memória que arrasto até
à outra metade, que descobre o que ainda será.
Sou azul. Um azul de outro azul, a luzir em cada
metade. E talvez cada metade, se divida em mais duas.

Amar é um peregrino a caminhar no deserto.
Uma chegada ao paraíso de um oásis, onde nunca
sabemos ficar. Uma exigência constante, de ter
apenas uma metade do outro a morar cá dentro, por
nunca o sabermos aceitar por inteiro.

Sónia M

22 comentários:


  1. A ideia de totalidade resulta da fragmentação e da consciência de que em cada metade existe a totalidade.

    Beijo

    Laura

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  2. Tudo acontece no ciclo das marés
    nos apeadeiros do cais
    nos heterónimos

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    1. É a forma como se apresenta cada uma, que sendo a mesma, a faz parecer outra...
      "Isto" sem "aquilo", não existe.

      Obrigada pela presença, Laura e Mar Arável.

      Beijo

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  3. Mas temos que aceitar amiga Sónia.
    Caminharmos juntos,e sermos um só.
    bjs amiga
    Carmen Lúcia-mamymilu

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  4. Oi Sónia,
    Tantas besteiras nós falamos sem pensar; eu sou sua metade...você é minha metade, e o resto das metades? Sônia, apesar de nunca ter falado nisso, pois não sou muito romântica, mas ouves-se essas barbáries por aí. Iria dar uma confusão. Metades jogadas em qualquer lugar.
    Você é um gênio na poesia. Como amo seus escritos poéticos! Se eu tivesse sua tarimba já estaria pensando num livro...
    Beijos
    Lua Singular

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    1. Talvez até nem seja difícil escrever poesia, mas é tão difícil vivê-la...

      Obrigada pela presença, Carmen e Dorli.

      Beijo

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  5. Gostei muito do que você disse, mas, sei lá, acho que ninguém é metade de ninguém. Cada pessoa é um ser individual. Sonia, beijo e boa noite!

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    1. Eu acho que há uma cisma, em querer fazer com as almas, o mesmo que fazemos com os corpos...
      A individualidade de cada um, não pode ser anulada.

      Boa noite, Shirley.
      Grata pela presença.

      Beijo

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  6. Ser metade de um todo
    também é uma arte.

    Em todo o caso,
    é poesia.

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    1. Neste caso, será um todo, feito de muitas metades.
      Beijo

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  7. Lidar com quem somos e o que sentimos, nunca foi fácil. Se por um lado sou, pelo outro sinto. Se eu quero, sinto e tu também, aqui começa o milagre da multiplicação. E à medida que o anos passam, nos vamos dividindo, multiplicando e subtraindo...
    As "Almas", também elas, se vestem e despem de sentimentos, ou não seriam elas "Almas".

    Gostei muito, mas mesmo muito disto.

    Beijo enorme, Sónia

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    1. É isso mesmo, Maria.
      Somar, subtrair, multiplicar, dividir...as coisas que uma alma faz!
      E eu que nem gosto de matemática :)

      Beijo grande, grande.

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  8. Não venho por mera deferência, nem por agradecimento
    Venho e fico... não por inteiro
    Nunca assim me dei
    nem a meu bem

    (talvez seja essa a explicação de uma relação prolongada com a minha "eterna" namorada)

    :))

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    1. Quando a voz da experiência fala, que se calem as outras. :))
      Estar ou ficar por inteiro, é poesia. Na poesia tudo se pode.

      Obrigada pela visita, Rogério.

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    2. Esclarecendo um pouco mais, Eu sou o conflito permanente, a síntese, entre Meu Contrário e Minha Alma. Fico sempre com o meu juízo, a alma, essa, tantas vezes se entrega inteira...
      Assim,
      apenas dou metade de mim :))

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  9. Magnifico poema...estou extasiado!
    Aconselharia alguns pseudo poetas, com n livros de qualidade duvidosa publicados a visitarem este blogue.
    Um beijinho

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  10. Hola Sónia, buenas tardes,
    me gustaron tus dos mitades...
    no creo que hayan mitades en el amor... hasta que se encuentran, "eso" cambia la idea original =)

    Te mando un beso
    excelente tarde en familia

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  11. Mais perfeita caminhada não há, aquela em que os passos trilham os caminhos do amor.

    Que formoso poema, Sónia.

    Um abraço!

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  12. metades são difíceis de se igualar, mas o teu poema é uma metade necessária de se escrever poesia...

    muito belo!

    :)

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  13. Genial..! Sin mas palabras...Me quedé por este blog lleno de sentimientos. Te invito al mio.Un abrazo!

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  14. Sem fugir aos seus temas preferidos, Sonia M aventurou-se, pela primeira vez, a fazer uma abordagem filosófica na sua poesia, aqui explicitada na desmultiplicação do Eu sentimental pelas suas sucessivas metades, que é uma forma de dar consistência ao Todo ou ao Uno, tal como que se vê nestes dois versos: “Por mais que me vista de metade, não é mais que / um disfarce a cobrir um corpo inteiro”. Quem genialmente caracterizou esta desmultiplicação referida, foi o poeta Eufrázio Filipe, num sintético comentário que fez a este poema, e que se transcreve: “Tudo acontece no ciclo das marés / nos apeadeiros do cais / nos heterónimos”.
    Trata-se, ao nível da renovação temática e estilística, de uma mudança significativa, desejada e promissora.
    Aqui, a densidade poética é a primeira característica que salta aos olhos do leitor, e que é logo anunciada na entrada fulgurante dos primeiros quatro versos.

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    1. Alexandre:
      Eufrázio Filipe, além de ser um poeta que eu aprecio bastante (muito mesmo) e que graças a este mundo virtual, tenho a oportunidade de ler com frequência, é também alguém que me dá imenso prazer em ter por aqui. Quase sempre, consegue, com um pequeno comentário, caracterizar um poema inteiro. É genial na sua poesia e também quando a lê, tal como o Alexandre. Que vou considerando quase como um pai na poesia, um mestre (não se zangue), por quem tenho um enorme sentimento de gratidão.

      Dizer obrigada, não chega.
      Bom fim de semana.




      Agradeço a presença de todos e os vossos comentários, que muito me incentivam a continuar.
      O meu abraço

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