10 abril, 2013

AO DEFUNTO POBRE - Pablo Neruda




Enterraremos hoje o nosso pobre:
o nosso pobre pobre.

Viveu sempre tão mal
que é a primeira vez
que habita este habitante.

Porque não teve casa, nem terrenos,
nem estudos, nem lençóis,
nem carne assada,
assim dum lado para o outro, pelos caminhos,
foi morrendo por não ter vida,
foi morrendo pouco a pouco
porque outra vida não teve.

Por sorte, e que estranho é, desde o bispo
ao juiz todos concordaram
que dele era céu
e agora morto, bem morto o nosso pobre,
ai, o nosso pobre pobre
não saberá que fazer com tanto céu.
Porque ará-lo, semeá-lo, colhê-lo ?

Isso ele o fez sempre, duramente
lutou com os torrões,
e agora é-lhe suave o céu para lavrar,
e logo entre os frutos celestiais
o seu terá, por fim, pois na mesa
das alturas tudo está ordenado
para que coma do céu à tripa-forra
o nosso pobre que leva, por fortuna,
sessenta anos de fome cá de baixo,
e para a saciar, por fim, como é devido,
sem que a vida mais pontapés lhe dê,
sem que o prendam só porque come,
debaixo da terra, no seu ataúde
já não se mexe, nem se defende,
nem lutará pelo seu salário.
Nunca esperou tanta justiça este homem,
abarrotaram-no de repente e de repente agradeceu:
ficou calado de tanta alegria.

Ai o que pesa agora o pobre pobre!
Era robusto e de olhos negros
e agora sabemos, pelo que pesa,
ai, quantas coisas lhe faltaram sempre,
pois se esta força não parava nunca,
cavando baldios, removendo pedras,
ceifando trigo, amolecendo argila,
moendo enxofre, carregando lenha,
se este homem tão pesado não tinha
sapatos, ó dor, se este homem cheio
de tendões músculos não teve
nunca razão e todos o maltrataram,
todos o arruinaram, e mesmo assim
deu conta do seu trabalho, agora levando-o
aos ombros no seu ataúde fechado,
agora sabemos quantas coisas lhe faltaram
e que na terra não o defendemos.

Agora sentimos que carregamos
com aquilo que não lhe demos, mas já é tarde:
pesa-nos e não aguentamos com o seu peso.

Quantas pessoas pesa o nosso morto?

Pesa como este mundo e continuamos
com este morto às costas. É evidente
que o céu é uma grande padaria.

PABLO NERUDA


(Imagem retirada da net)

26 comentários:

  1. Muita razão tinha Pablo Neruda, a partir do momento que a morte nos bate à porta, comemos no mesmo restaurante, ganhamos o mesmo salário, trabalhamos na mesma empresa e assistimos às mesmas festas.
    Com o meu abraço Sónia

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  2. Pobre Pablo Neruda
    Não foi o único sem terreno
    Sem casa muitos dormem na rua
    De noite sem cobertores ao relento!

    Não é nenhuma mentira
    Pão duro com azeitonas
    Carne assada não havia
    Para as ceifeiras alentejans!

    Noutros tempos era assim
    No Alentejo, ao intenso calor
    Muita miséria havia sim
    Não havia respeito pelo trabalhador!

    Boa quarta-feira e um beijo
    para você, amiga Sónia.
    Eduardo

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  3. O nosso pobre morto, pesa a maior loucura que o nosso tempo inventou. Pesa o seu próprio peso, somado ao peso de todos nós.

    Beijinho grande

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  4. " E a minha voz nascerá de novo,
    talvez noutro tempo sem dores,
    e nas alturas arderá de novo o meu coração
    ardente e estrelado"

    Pablo Neruda

    Beijo.

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  5. Um excelente poema do Pablo Neruda.
    Obrigado pela partilha, pois creio que nunca o tinha lido.
    Um beijo, querida amiga Sónia.

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  6. Um pobre homem pobre, assim como tantos de nós..Lindo poema de PN. Beijinhos!!

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  7. Un gran Poema para meditar conciencias y reflexionar actitudes que están tardando mucho tiempo en cambiar.
    Preciosa Entrada.
    Abraços e beijos.

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  8. E, com o tempo, as tantas dívidas deixadas serão enfim esquecidas.
    GK

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  9. Há "Nerudas"...
    E há "carteiros"!
    Há Nobres e Cavaleiros!...
    Há beatos e trampolineiros!

    Há de tudo!...

    E... Há um primeiro!
    À "Béatrice"...
    O Amor Verdadeiro!

    Um Beijo para Ti, Sónia!
    Poetisa Ardente...
    Na Alma e no Coração!

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  10. "Quantas pessoas pesa o nosso morto?"

    Eis a pergunta que, de verso, devia passar-nos a ocupar a mente...

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  11. "...e para não tombar, para afirmar-me sobre a terra, continuar lutando, deixa em meu coração o vinho errante e o pão implacável da tua doçura"

    Dele

    Saudade!


    [contém 1 beijo]

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  12. Somos todos, um pouco e em parte, os defuntos pobres de nós próprios. Carregamo-nos...

    Beijo

    Laura

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  13. Hermosos versos del Gran Poeta, don Pablo Neruda.

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  14. Teimamos em ser pobres toda a vida e depois da morte.
    Ninguém sabe como é a vida por lá mas todos acreditamos que será sem estas preocupações de ter e de ser mais do que ninguém...
    O Céu é um sítio onde apenas habitarão os puros de coração, os simples e os mansos...e os outros ...???

    Ser pobre não é uma sina e um caminho. Devemos lutar por viver com dignidade, em paz e harmonia.
    Nenhum homem deverá olhar o outro homem de cima para baixo mas apenas e só quando lhe estende a mão para o ajudar a levantar-se

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  15. poderoso e intrigante

    Pablo Neruda é sempre bom recordar a sua obra

    um bom fim de semana

    beijo

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  16. O Neruda é um poeta cheio de sabedoria.

    Beijinho

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  17. Sónia Neruda era um poeta daqueles que sabia bem tudo aquilo que escrevia, era um poeta dos grandes,
    Beijos
    Santa Cruz

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  18. A vida muitas vezes é curta, mas mesmo assim seu caminho é longo.
    Nela aprendemos a sorrir, chorar, amar, sofrer e a renascer,
    para amanhecer e termos um lindo dia.
    Seja Feliz Sempre!
    Acredite no Tempo, na Amizade,
    na Sabedoria e, principalmente no Amor.
    E acima de tudo não perca a fé,
    e certeza de que Deus existe e é seu amigo sempre.
    Uma semana de muita paz .
    Beijos no coração meu eterno carinho,Evanir.

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  19. Querida amiga

    Neruda tem sempre
    este poder
    de acordar pensamentos
    em nossas vidas.

    Acorda a alegria em ti,
    como quem acorda uma criança muito amada...

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  20. Excelente, para dizer o mínimo... obrigado por partilhar

    bjos

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  21. Fiquei orgulhoso ao ouvir há dias, na televisão, um dramaturgo britânico a afirmar que Fernando Pessoa e Pablo Neruda foram os dois maiores poetas do século XX.

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